Crónicas

Notas sobre paisagem: epílogo

Até ao dia 24 de setembro está visível no Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s a exposição que serviu de mote às duas últimas crónicas (ou derivas sobre paisagem), na qual o texto de hoje se centra em particular. Trata-se da exposição A Paisagem nos Primórdios da Photografia Vicente, a qual reúne uma impressionante seleção de vistas da Madeira da segunda metade do século XIX (vão de 1863 a 1885), produzidas através da técnica do colódio húmido por Vicentes Gomes da Silva, fundador no Funchal da casa comercial Photographia Vicente.

Visto o processo ser laborioso e muito artesanal, implicando uma rápida ação por parte do fotógrafo entre a captura e a revelação do negativo em vidro, este implicou a montagem e deslocação de um laboratório móvel pela ilha, curiosamente visível na primeira imagem aqui reproduzida, uma vista da ponte da sobre a ribeira do Inferno que separa a freguesia de São Vicente da do Seixal.

Uma das vantagens da exposição é pois familiarizar o público com a técnica do colódio – da qual o Vicentes fundador se tornou um perito – e com a sua própria visualidade: mostrando-nos exemplares de negativos em vidro e de exemplares positivos (a partir já de um processo de digitalização e não de revelação em estúdio através de um processo químico), exemplares que num dos casos exibidos são do próprio negativo nas suas efetivas condições materiais (danificações, riscos, etc.) e da imagem resultante após o respetivo restauro digital.

Existem imagens triplas e duplas, ou seja, um mesmo negativo reúne ocasionalmente na sua superfície mais do que uma imagem, de forma a não haver desperdício de material foto-sensível, levando os técnicos e investigadores do Museu a especular, perante a uniformidade das imagens, acerca da existência de uma lente dupla e mesmo de uma lente tripla usada para produzir o efeito económico (as quais, ao existirem, são reveladoras da própria abundância da produção).

Outra das vantagens da mostra é apresentar-nos exemplares de tiragens atuais referentes à aplicação do processo do colódio à técnica da estereoscopia. O que quer isto dizer? Em 1834, Charles Wheatstone inventou o visor estereoscópico, que de forma extremamente simplificada e simplista para os ouvidos do século XXI, podemos afirmar tratar-se de uma técnica de visualização de duas imagens fixas que resulta no efeito óptico de uma única imagem em 3D. Neste sentido, algumas destas vistas na ilha foram porventura comercializadas no próprio Atelier Vicente’s enquanto cartões com duas imagens de forma a proporcionarem um efeito imersivo a três dimensões ao visualizador da e na própria paisagem ou cena típica captada pelo fotógrafo.

E finalmente, a terceira vantagem desta exposição é transportar-nos por múltiplas vistas, por diversos pontos de vista sobre o território assim tornado paisagem da ilha. Diversos pontos de vista sobre o Funchal não restritas à baía, mas também Câmara de Lobos, e outros locais específicos do Arco da Calheta, Faial, Porto da Cruz, Porto Moniz, São Vicente…

A não perder pois ao longo das próximas duas semanas do mês de setembro, período durante o qual se irá suspender esta crónica para voltar dia 21 com novas perspetivas.

Ana Gandum
com a colaboração do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s.