Análise

Que folia vem a ser esta?

De quando em vez, o Governo Regional deleita-se no pântano das contradições

Quando o governo regional se distrai ou não vê para além do óbvio; quando julga que há motivos para folias num contexto de adversidade ou disponibilidade mental para relativizar o que é dramático; quando tenta inventar, mais para ser diferente e contrariar as decisões da República - o que nem é difícil dadas as sucessivas argoladas centralistas - do que por mérito próprio, ou tudo faz para ser obrigatoriamente tema de conversa, pois uma polémica sempre disfarça a falta de novidades geradoras de optimismo; quando julga que “está tudo controlado”, afirmação que já devia ter sido abolida da linguagem oficial, por estar quase sempre associada ao seu contrário, ou força em demasia a necessidade de ser o centro do mundo, espalha-se ao comprido e entra facilmente em contradição. Foi assim no último Natal e fim-de-ano, quando apelou a posturas responsáveis por parte dos madeirenses “exemplares”, mas deu mau exemplo ao não resistir, em pleno Mercado dos Lavradores, a um ajuntamento à volta de umas sandes de carne da festa, em nome da tradição. Quando foi brando em nome da actividade económica e adiou a implementação de medidas restritivas, com os resultados que se conhecem e que colocam a Madeira como a única região do país com índice de transmissibilidade acima de 1. Foi assim quando não teve voz activa para disciplinar as súbitas irreverências dos titulares de cargos políticos de topo e que sendo chamados a ser vacinados, por ser esta a sua vez, optaram claramente pela desobediência civil, alegando querer ser tratados como cidadãos. E nós a pensar que os eleitos nunca tinham deixado de o ser, embora, às vezes, indiciem pertencer a outra estirpe.

Foi assim sempre que não se preocupou em ser transparente e acutilante, recorrendo a uma desastrosa estratégia de comunicação, que é feita de imprecisões, que opta pela discriminação negativa de meios ditos hostis, alegadamente por não alinharem no guião oficial, que abusa da generalização de reparos ao jornalismo quando os prevaricadores estão sobejamente identificados e que tem receio de conferências de imprensa técnicas e elucidativas.

Foi assim quando não foi capaz de intervir a tempo e horas na corrida tresloucada à neve, deixando passar a ideia que vale tudo menos incomodar quem tem direito a descansar da estafante tarefa executiva, que não lê boletins meteorológicos e que ao fim-de-semana a protecção civil e a segurança pública estão sob alçada de cada cidadão.

Como não tem emenda e denota cumplicidade excessiva com as atitudes subversivas dos “bem comportados”, o Governo Regional volta a dar que pensar, ao conceder tolerância de ponto aos trabalhadores da administração pública na terça-feira de Carnaval e manhã de quarta-feira de cinzas. Inacreditável esta assunção pública de que não há nada de importante para fazer, pois os cortejos carnavalescos há muito e bem que estavam adiados e que mascarados já andamos todos quase há um ano. Quem manda pode, mas sinceramente, o que os madeirenses precisam não é de mais um dia para ficar em casa onde já estão há largos meses confinados, em teletrabalho, a descansar ou a enlouquecer; para ir às ponchas porque lá fora, por estes dias, faz frio; ou para dar a volta à ilha e assim arejar a vista e anestesiar a dor.

O que faz falta não é mais uma licença para dormir, para esquecer ou fazer de conta que está tudo bem. O que faz falta é dinheiro fresco a fundo perdido apenas nas contas daqueles que todos os meses têm um sem número de encargos para pagar sem facturar um cêntimo; é menos burocracia para que as linhas de apoio não sejam miragem e cheguem sem demora a muitos que estão a sentir a vida a perder fôlego; é um rumo para a retoma adiada que não se resuma a sedativos de curta duração, a um ou outro afago manhoso ou a uma promessa de circunstância.

Prescindimos de tudo o que não é decisivo pois o momento assim o exige. Por isso, fique o governo com todas as tolerâncias de ponto, os certificados de boas práticas ambientais, as condecorações do sistema, os votos de louvor e todas as benesses do mundo. De que serve ter anéis sem dedos?

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