Madeira

Cardeal D. Tolentino Mendonça diz que a sociedade actual vive três crises

None

O cardeal D. Tolentino Mendonça presidiu este domingo à celebração da Festa da Sagrada Família, na Sé, no Funchal.

Na homilia falou da importância da família e destacou que a nossa sociedade em relação à família vive três crises que, no fundo, são três grandes desafios.

D. Tolentino Mendonça referiu que o primeiro desafio é uma crise de de investimento.

"As nossas sociedades precisam de investir mais na família. E olhar para a família como um parceiro, como um parceiro normal. Dirigir-se às famílias. Não ter medo de dirigir-se às famílias. Hoje, nós vivemos num modelo de sociedade muito individualista. Parece que só existe o indivíduo, mas isso é uma ilusão. Cada indivíduo é uma família, quando nós abrimos o plano, o olhar, aquela pessoa está enquadrada num determinado contexto e esse contexto é o contexto familiar.” Cardeal D. Tolentino Mendonça

E lembra que nesta altura de pandemia, com a crise multiforme que atravessa todas as nossas sociedades, a família também está mais pobre.

"A família está mais frágil. A família está mais vulnerável e por isso, é necessário neste tempo de pensar a reconstrução. O momento histórico que virá depois desta pandemia. É importante investir na família. Privilegiar a família. Ir ao encontro das dificuldades da família" Cardeal D. Tolentino Mendonça

O Bibliotecário e Arquivista do Vaticano diz ainda que há uma outra crise dramática: a crise ligada à demografia.

"Nós vivemos em Portugal também um inverno demográfico. As famílias não têm filhos.  A coisa mais dramática é que as jovens famílias, que podem ter filhos e que gostavam de ter filhos, não os podem ter.”   Cardeal D. Tolentino Mendonça

O cardeal madeirense diz que leu recentemente uma grande reportagem sobre os jovens casais em Portugal a dizer muitos têm um projecto  de vida e querem ter filhos, mas esse projecto tem vindo a ser adiado.

"Adiado sem dia. Nós criamos muito, mas não temos condições. Os trabalhos são precários. As casas são pequenas, não temos acesso a elas. Não temos estabilidade. As relações são frágeis. Por isso, nós gostávamos muito. É o sonho da nossa vida, mas nós não conseguimos" Cardeal D. Tolentino Mendonça

D. José Tolentino adiantou que estas palavras são um grito. São um SOS a toda a nossa sociedade, porque não é uma questão deste ou daquele.

"É uma questão de todos. Então, se os jovens que se casam abandonam o projecto de ter filhos, porque não podem.” Cardeal D. Tolentino Mendonça

O cardeal natural de Machico, disse que “a sociedade não pode permanecer indiferente. "Precisamos de pensar juntos, o que isto significa. Ir ao encontro das jovens famílias. Para que a dimensão generativa seja de facto, vivida em família como uma alegria maior, porque no seio da família a geração dos filhos, para aqueles que podem, é a manifestação mais bela de fecundidade, de amor. E a nossa sociedade não pode viver no inverno demográfico que só se agrava. E não podemos enxotar para um dia sem data este problema, não. São questões que precisamos enfrentar. É sem dúvida que a crise generativa actual è um desafio muito grande. As jovens famílias estão a lançar SOS que nós não podemos deixar de ouvir.”

O último desafio apontado pelo cardeal D. Tolentino Mendonça tem a ver com a crise de integração intergeracional nas famílias.

“O Santo Padre na mensagem no Dia Mundial da Paz que vamos celebrar no início de Janeiro. Ele diz que não há paz sem diálogo sem convivência inter-geracional. E nós experimentamos isso na família. Hoje, por exemplo, é muito revalorizado injustamente o papel dos avós. Sem os avós hoje, as famílias não conseguem fazer todas as coisas. O avô tem um papel fundamental. Mas, os avós e os idosos são importantes. Não só porque tem um papel de ajuda concreta. Eles são importantes em si, pelo que significam, pelo aquilo que são, pelo grande tesouro que são" Cardeal D. Tolentino Mendonça

Salientou que a sociedade europeia é uma sociedade de abundância, mesmo com as dificuldades que vivemos. "Nós não podemos esquecer que somos uma sociedade do bem-estar. Uma sociedade que é privilegiada, quando nós comparamos com o que se passa no resto do mundo. É verdade que a Europa ainda não descobriu o valor da pessoa idosa. E muitas vezes a pessoa vai para reforma e perde todo o seu valor. E como se deixasse de ser útil. É como se, aquilo que soubesse, aquilo tivesse para transmitir, já não houvesse ouvidos para escutar. É uma perda. Porque, um velho numa sociedade é um tesouro. Os velhos não são um peso. Os velhos são um tesouro de humanidade, de humanização", adiantou

D. Tolentino recordou uma das experiências mais belas da sua vida

Durante a homilia, o cardeal recordou uma das suas memórias mais marcantes.

E mesmo, quando as pessoas estão doentes. Eu lembro-me das recordações mais belas da minha vida, que eu tenho da minha. É caminhar no corredor do hospital de mão dada com o meu pai, que já mal podia andar e eu dava-lhe a mão. E andávamos ali, para trás e para frente. E as coisas que eu aprendi só lhe dando a mão. Quando nós damos a mão aos nossos pais aprendemos tanto do mistério da vida. E se nós recusamos a doença.  Se nós deitamos para o lado o sofrimento, se nós metemos os idosos em parques de estacionamento. Se nós afastamos os idosos da família. Nós ficamos analfabetos de humanidade. Podemos ser muito fortes. A  vida é toda mais simples, mas também é mais pobre. E há tantas coisas que nós não chegamos lá, não chegamos a entender. Por isso, irmãos e irmãs, hoje é a festa da Sagrada Família e a família é um laboratório de vida. É uma escola de humanidade. É a primeira escola da vida cristã" Cardeal D. Tolentino Mendonça

No final da celebração, D. Tolentino Mendonça lembrou que há 56 anos recebeu o sacramento do baptismo e, também neste dia, há 32 anos, foi ordenado diácono na catedral, referindo que tem sempre no seu coração “esta amada Diocese”, e o orgulho que tem em ser “um filho” desta Região.

Nesta cerimónia participaram o presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, José Manuel Rodrigues e o secretário regional da Saúde e da Protecção Civil, Pedro Ramos.