"É preciso ter uma pele muito dura para fazer o que vocês fazem no DIÁRIO", refere Filipe Santos Costa.
Madeira

"A informação boa custa dinheiro”

Leia na íntegra a entrevista a Filipe Santos Costa, jornalista madeirense que considera o DIÁRIO uma "referência"

Xavelha sem complexos e assumido “jornalista incómodo”, Filipe Santos Costa é o entrevistado da edição do 145.º aniversário do DIÁRIO, jornal que considera ser “referência”.

Cresceu em lojas de discos onde descobriu novidades e aprendeu a tolerar gostos e desde cedo idealizou uma presença activa na missão informativa. Formou-se na Universidade Nova de Lisboa pela qual é licenciado em Ciências da Comunicação e desde 1992 que percorre várias redações onde já escreveu sobre política, cultura e economia. Público, O Independente, Semanário, Visão, Focus, Diário Económico, Sábado, Diário de Notícias, Expresso e TVI constam do currículo do também autor de livros como ‘O Último Combate’, sobre a derradeira candidatura presidencial de Mário Soares e de ‘A Máquina de Triturar Políticos’, em co-autoria sobre os anos de ouro do jornal O Independente.

O podcaster colabora actualmente nos programas ‘Os Quatro’ e ‘A Lei da Bolha’, na TVI 24 e é mestrando em Ciência Política. Em Dezembro parte para o Japão onde espera ser feliz, mesmo que não continue a ser jornalista, profissão que já tentou pôr de lado sem sucesso e que motiva esta conversa de quase de duas horas.

Quando e como descobriste que querias ser jornalista?

Acho que sempre quis ser jornalista. Bom… quando era miúdo queria ser piloto da força aérea e astronauta!!!

Fruto da ficção!?

Quando pus os pés na terra, acho que quis ser sempre jornalista, talvez no 8.º ou 9.º ano. É muito estranho porque na minha casa não se liam jornais, prática que entretanto mudou, mas eu era daquelas famílias que iam sempre ao café ler o DIÁRIO. Habituei-me a isso, a folhear o jornal e a ver as notícias na televisão no único canal que havia. Mas quando pensei pela primeira vez naquilo que queria ser era jornalista.

Qual foi o motivo da atracção fatal?

Percebi que era importante estar informado e que eu queria fazer parte disso. Mas não há um clique. Eu tinha uma segunda hipótese, que aliás pus nas minhas candidaturas à faculdade que era ‘relações internacionais’. O que quer que fosse eu queria ser qualquer coisa que me desse mais mundo.

Tens quantos anos de carreira?

Publiquei o meu primeiro texto no ‘Público’, na secção ‘Local’, em 1992, quando estava no 2.º ano da Faculdade, vai fazer para o ano 30 anos. Essa é a minha contagem. A contagem oficial, quando se pede a carteira de estagiário, começa em 1994.

Passados estes anos, achas que a profissão te deu o mundo que procuravas?

Se deu! Deu mesmo. Podemos falar da desilusão que os jornalistas têm com o estado do jornalismo, mas isso é outra conversa. O jornalismo deu-me coisas que mais nenhuma actividade e profissão me daria. Deu-me mundo e muito cosmopolitismo e à conta disso tenho uma relação estranha com a Madeira…

Estranha mas frequente?

Frequente e muito intensa. Tenho qualidades e defeitos de ser ilhéu. Também podemos falar disso!!! Mas há momentos em que eu acho que a Madeira é muito fechada sobre si própria e muito pouco cosmopolita. Mas essa Madeira convive com outra Madeira que é mais cosmopolita do que por exemplo boa parte do resto País. Percebes isso quando te dás conta que a Madeira recebe ingleses regularmente desde o século XVIII. Nós temos uma tradição de receber pessoas e isso deu à Madeira um cosmopolitismo e abertura ao mundo que há uma parte da Região que não tem. E isto é estranho e bipolar.

Fui a muitos sítios que não iria se não fosse jornalista, que não teria interesse em ir se não tivesse de ir por obrigação profissional, alguns deles sendo uma revelação absoluta. Eu não teria o menor interesse em ir à Índia e calha-me ir fazer um serviço em que fico 15 dias na Índia e em que descobri um país incrível e inacreditável.

E cruzaste-te com pessoas inimagináveis?

O jornalismo dá-nos mundo e dá-nos acesso a conhecer pessoas. Já fiz muita coisas no jornalismo e a minha actividade principal foi sempre jornalismo político. E foi para a política porque sempre me interessei por política e pela discussão dos pontos de vista diferentes. Mas comecei pelas questões micro, locais. Quando vinha à Madeira de férias perguntava ao Tolentino - correspondente do Público - se podia escrever para Local coisas que não lhe interessavam. No meu estágio, o Jorge Wemans mandou-me para o arquivo por não haver lugar na redação. Recusei e  disse que não havia problema, que aguardava por um telefonema quando houvesse um lugar. Ele ficou desbaratinado com a resposta de um miúdo de 21 anos que se levantou de imediato, percorreu a redação à procura de um computador livre. E onde é que havia? O único computador livre era o da secção política. Estava escrito.

Mas também fiz economia, internacional e cultura e fui absolutamente feliz durante dois anos como jornalista e editor de cultura. Adoro música porque cresci numa loja de discos e entrevistei alguns dos meus artistas favoritos. De repente estou a falar com gente que adoro, com músicos e cantores de música clássica. Só no jornalismo é que isto podia acontecer. É teres acesso a experiências, lugares e a pessoas, o que é absolutamente incrível. É viveres cenas maradas, estares em Caracas e percorreres as favelas num jipe da Polícia Militar e teres uma experiência surreal e teres medo. É entrevistares um comandante da Polícia de Porto Cabello à uma da manhã no bar de alterne a pedido deste o que te leva pensar o porquê dele ter combinado a conversa naquele local. É perderes um avião de Nova Deli para Goa e teres que arranjar um local para dormir porque não te deixam ficar no aeroporto. Vais para o hotel Krystal no meio do bairro da lata de Nova Deli em que o restaurante mete nojo e abres e fechas a cama porque não queres tocar nos lençóis e achas que alguém durante a noite vai entrar no meu quarto e levar-me os rins. Correu tudo bem em todos os casos e depois há as outras coisas, as boas. Teres uma semana na Assembleia Geral das Nações Unidas com os Ministros dos Negócios Estrangeiros e teres acesso às reuniões todas.

Valeu a pena a dedicação, enfrentando situações de risco?

Costumo dizer que a coisa  mais arriscada que faço normalmente é percorrer os corredores da Assembleia da República!!!! Os episódios que contei são quase anedóticos. O meu dia-a-dia no jornalismo foi a política e foi isso que me permitiu alguma notoriedade.

Valeu muito a pena sentires que fazes serviço público e que tens impacto social e na vida em comunidade. Não estás mandatado por ninguém, mas sentes que tens que fazer as perguntas que as pessoas querem que se faça.

Há um mandato implícito?

Sim. Tens que fazer perguntas que as pessoas querem ver respondidas e ter capacidade de empatia com os teus concidadãos. Vale a pena se conseguires esclarecer e obrigar os poderes a dar explicações. Temos uma responsabilidade. Esse é o ponto.

Há algum desencanto instalado?

É possível acumular. Valeu a pena e sinto-me desencantado. Acho que fiz um bom trabalho e tenho honrado a missão do jornalismo. É uma opinião suspeita porque é a minha sobre mim…

Mas é aquela que é mais decisiva?

Sinto-me tranquilo comigo mesmo e isso é o mais importante. Muitas vezes fiz a diferença, não enchi chouriços, acho que tenho um ponto de vista, uma noção muito aguda da missão na comunidade e do peso da responsabilidade…

Mas?

O jornalismo está em crise pelo menos desde 2006 quando comete aquela loucura de achar de oferecer à borla na internet aquilo que antes cobrava. Quem é o louco que decide uma destruição de valor?

O problema disto é que o jornalismo passou a ser visto como uma ‘commodity’, algo a que se tem direito sem pagar. A informação boa custa dinheiro.

Há um desencanto porque há um desinvestimento cada vez maior, porque há uma falta de percepção das pessoas da importância que o bom jornalismo tem e aí falhamos todos porque não fomos capazes de convencê-las da importância do bom jornalismo e quando as levamos a desconfiar do jornalismo que é feito por profissionais. Temos dados muitos tiros nos pés.

E qual foi o tiro mais violento que demos em nós próprios?

O maior mal que fizemos a nós próprios foi a correria, acharmos que é mais importante a rapidez do que a segurança da informação. A fossanga de ser tão rápido como as redes sociais, sendo que estas não precisam de confirmar a informação, de fazer contraditório, de ter segurança absoluta, é um erro. As nossas obrigações levam tempo o que significa que nunca vamos ser tão rápidos como as redes e é bom que as pessoas percebam que mais vale esperar do que ir atrás do primeiro fogacho. E muitas vezes até ficamos de consciência  tranquila, citando alguém que escreveu no Facebook, reproduzindo algo publicado antes sem termos a certeza que a informação é fidedigna. Isso é fingir que estamos a ser sérios nesta era da velocidade sem seguir as regras.

Há culpas repartidas no estado a que a comunicação social em Portugal chegou? É hoje mais consequência de quem nela trabalha, de quem a controla, de quem a regula ou dos públicos?

A regulação é uma anedota. Não existe. Existem umas entidades cujo o único objectivo é perpetuarem a existência da máquina, que a única coisa que fazem é fingir que fazem coisas  para fingir que têm alguma utilidade, que têm algum propósito. Normalmente são uma espécie de museu de cera com gente que acha que foi figura importante e que está completamente desligada da realidade. Atenção que esta minha visão crítica do estado do jornalismo deriva de uma percepção dos desafios que o jornalismo tem que enfrentar. Essa gente acha que o jornalismo ainda existe como há vinte anos e que a diversificação das fontes de financiamento do jornalismo é uma adulteração qualquer dos princípios do jornalismo. Não é. O jornalismo tem que ser pago de alguma maneira e o que é preciso é cumprir sempre o dever de lealdade com o leitor e a transparência.

Aliás, foste recentemente vítima da actuação de um regulador?

Fui. Nunca procurei o caminho fácil na minha carreira. Fiz várias vezes coisas que ninguém tinha feito antes e outras que outros achavam que iam falhar. Não me posso queixar de escolher um caminho difícil e nesse caminho ter pedras. Estou confortável com as dificuldades que as minhas opções me colocam. Devo ser o único jornalista em Portugal a quem a Comissão da Carteira (CCPJ) decidiu tirar a carteira profissional numa primeira alegada violação do código deontológico, violação que não existiu, aliás como depois se provou em tribunal. Tudo porque achei que podia fazer jornalismo numa plataforma nova, que são os podcasts, para um partido político que ainda por cima, horror dos horrores, é o partido que está no poder no governo da República. Fazia uma entrevista semanal com pessoas com relevância no momento e que toda a minha concorrência queria entrevistar. Eu é que escolhia os entrevistados, com um guião de perguntas que eu decidia. Fazia entrevistas exactamente iguais às que durante 13 anos fiz no Expresso e nos anos antes fiz nos outros sítios todos. A Comissão da Carteira achou que era assessoria de imprensa mas nunca deve ter ouvido as entrevistas.

Quando recebi a primeira carta da CCPJ podia não me querer chatear. Não preciso da carteira de jornalista para nada do que faço e para nada do que fazia na altura. Mas contratei um advogado porque aquilo era injusto. Se durante quase 30 anos eu fui jornalista denunciando injustiças que atingiam outros era o que mais faltava eu calar-me perante uma injustiça que me atingia a mim e sobretudo a minha honorabilidade e o meu bom nome. A única coisa que o jornalista tem é a sua assinatura e a credibilidade do seu nome. Não tem mais nada. Podes ser duro, chato e imprevisível mas és leal e transparente para com os visados e com o público. Lealdade sempre.

Também com os patrões?

Sim. A lealdade vale para tudo. Lealdade é sinónimo de decência. E aí cada um terá a sua métrica.

Como classificas a actuação da Comissão da Carteira no teu caso?

O julgamento foi divertido pois era evidente a irritação do procurador do MP por estar a perder tempo com aquele julgamento pois ele que devia ser a acusação não conseguia acreditar na bacoquice dos argumentos da CCPJ. Curiosamente o tribunal ouviu as entrevistas e para o tribunal foi óbvio que aquelas entrevistas eram a única coisa que podiam ser, que é jornalismo. A CCPJ tomou uma decisão com base no pior defeito que um jornalista pode ter, que é o preconceito. Não quis ouvir e decidiu com base em achismos. A sentença é uma peça judicial notável porque destrói as acusações da CCPJ. A carteira nunca me foi retirada mas a CCPJ curiosamente noticiou a retirada da minha carteira quando não o podia fazer. Qual é a maior praga do jornalismo nos dias de hoje? As ‘fake news’. A CCPJ divulgou uma. A notícia sobre a retirada da minha carteira era falsa.

Quais os maiores perigos que o jornalismo enfrenta?

O maior perigo de todos é não haver um modelo de negócio. Não há papel, não há palhaço. Se não tens uma maneira de financiar o negócio – o jornalismo sendo uma missão é também um negócio – acabou-se. O bom jornalismo custa dinheiro como tudo o que é bom na vida. O bom jornalismo exige meios, tempo -e tempo é dinheiro – e bons profissionais. Se não encontramos um modelo de negócio sólido, previsível e estável, não há maneira de investires e de garantires um produto.

As pessoas só pagam por algo que tenha um valor acrescentado. Para tal tem que haver uma estrutura de produção.

Depois há outros perigos, o da confusão sobre o que é jornalismo, pois há quem ache que tudo é publicado é jornalismo. Quando estou a dar uma opinião não estou a dar uma notícia. Os comentários do Dr. Marques Mendes não são jornalismo mesmo que apareçam num telejornal.

As pessoas confundem notícias com uma análise, que tem uma certa dose de subjectividade,  ou com uma opinião, que tem subjectividade absoluta.

O limite da subjectividade na opinião é a factualidade. É bom que a minha opinião não seja baseada em mentiras. Mas também pode ser…

Há especialistas nesse domínio.

Há. Neste momento trabalho em formatos jornalísticos que são essencialmente de análise e isso implica ler muito. Nuna li tanto. Para fazeres uma boa análise tens que saber os factos todos. Nos ‘Quatro’ que faço na TVI são duas horas de análise de actualidade em directo durante a tarde, de segunda a sexta. Passo a manhã a ler jornais portugueses e estrangeiros e a cruzar informações. Para não dizer banalidades preciso de ter muita informação para espremê-la. Um bom analista é uma ‘bimby’. Metes todo lá para dentro na medida certa e no programa certo para que não saia tudo mal!!!

Que avaliação fazes dos meios de comunicação social na Região?

Sofrem dos problemas que os media nacionais e internacionais padecem, com a agravante de estares a falar de um mercado pequeno onde os meios são ainda mais limitados e com um contexto político peculiar.

Quando tomei a opção de fazer jornalismo em Lisboa uma das razões era não querer vir para um meio pequeno, claustrofóbico e asfixiante. Aqui as pessoas conhecem-se todas umas às outras e o jornalista tem uma visibilidade que o torna ainda mais identificável.

Não estava com muita vontade de voltar e confesso que ainda não tenho a certeza de ter o cabedal necessário para fazer jornalismo independente e corajoso numa Região com um ambiente político tão cristalizado há tantos anos. A Madeira é o único grande território do país onde nunca houve alternância de poder. A literatura de ciência política – na qual sou mestrando – explica que para teres uma democracia funcional, entre muitas condições, muitas delas muito imperfeitas na Madeira, precisas de em algum momento haver alternância de poder. A Madeira leva quase 50 anos sem alternância de poder e este é o maior sintoma de debilidade da democracia madeirense. Esta democracia é essencialmente formal. Quando ao fim de 50 anos não houve mudança de poder há qualquer coisa de muito errado. As propostas políticas dos partidos e dos protagonistas que se apresentam às eleições são só a ponta do iceberg. Tudo o que condiciona isto é tudo o que está para baixo, as oportunidades oferecidas pelo poder a quem acaba uma licenciatura num sistema tão capilar que chega ao clube de berlinde, ao rancho folclórico, aos bombeiros e à cada de povo.

Sempre tive uma admiração muito grande pelo jornalismo independente que se faz na Madeira e que não é muito. Para mim, essencialmente, a referência é o DIÁRIO – e não digo isto por estar a dar uma entrevista aqui pois eu já disse isto muitas vezes sem ser ao DIÁRIO. É preciso ter uma pele muito dura para fazer o que vocês fazem e não tinha a certeza de ter o que era preciso. Depois entretanto acho que consegui. Tenho mau feitio e sou de Câmara de Lobos e a malta tem algum calo.

Brincava muitas vezes dizendo que era um exilado do jardinismo. Não me apetecia trabalhar na Madeira do Alberto João.

Nesse tempo que tipo de imagem tinha a Madeira no continente?

Era óptima. As pessoas achavam que AJJ era o maior. Viam as estradas e a obra. Não viam o lado B disso, a pobreza nas zonas não turísticas, não viam os atentados ambientais, não viam o mal que estava a ser feito à orla costeira, não viam como muitas vezes se esteve no limite de matar a galinha dos ovos de ouro.

A distância dava-me muitas vezes essa percepção e nos 31 anos que vivo em Lisboa a discussão política que eu tive mais vezes foi explicar esse lado B do jardinismo onde faltou sempre a componente social e a verdadeira liberdade política.

Entretanto a Madeira mudou?

Já se fez algum caminho e o ‘bullying’ não é comparável. O ‘bullying’ feito por AJJ contra o DIÁRIO e os seus jornalistas em noite de vitória eleitoral, com transmissão nas televisões nacionais, deu para as pessoas irem percebendo a arrogância e o autoritarismo.

Os meus amigos estranham muito que eu seja uma anti-regionalista – no que concerne à regionalização do continente. Uma das razões é que eu percebo a pressão política derivada de um poder tão grande e do controlo dos meios e do dinheiro. Quem controla o dinheiro controla a narrativa, controla tudo.

Tens que sair do teu território para perceber o teu território, a Madeira e o País.

Já que falas nisso, em breve tentarás novamente mudar de vida, fora do País. Já não é a primeira vez que tentas, mas o jornalismo persegue-te.

Tentei deixar de ser jornalista e após 13 anos no sítio onde estive mais anos a trabalhar que foi no Expresso/SIC despedi-me em Novembro de 2019, sem ter um emprego à minha espera. Nunca nada é consequência de uma razão só. Fui sempre um jornalista incómodo para a minhas chefias, para os jornalistas quando fui chefe e para os visados. Mas também aprendi que não se faz a mesma coisa a vida toda e que aquilo que é elementar no jornalismo – a análise das situações e o acesso a informações - pode ser aplicado noutros sectores.

Devo ser a única pessoa do mundo que se despediu do jornal onde estava com o propósito de deixar de ser jornalista e que não conseguiu. Falhei redondamente em todos planos que tracei e de repente começam a surgir oportunidades para fazer o quê? Jornalismo!!! A TVI é a minha 10.ª redacção!!!

Por opção familiar no final deste ano vais para o Japão e se calhar não te livras do jornalismo.

Não sei o que vou fazer. Sei o que a minha mulher vai fazer porque teve uma oportunidade de carreira muito interessante em Tóquio. De repente, quando achas que a vida vai ser o que tem sido, um tipo que gosta de conhecer mundo volta a um sítio onde já esteve em trabalho e adorou. Mas até pode ser jornalismo. Porque mantenho intactas a minhas qualidades, nomeadamente a capacidade de absorver a informação e processá-la.

Se estou disponível para ir viver para o outro lado do mundo, tenho que estar disponível para aquilo que o outro lado do mundo me proporcionar. Sei que vou estar onde tudo está a acontecer na 3.ª economia global e em plena Ásia. Tudo é possível.

Na hora de arrumar gavetas de que é que prescindes com facilidade e o que guardas religiosamente.

Sou muito organizado com as notas que tomo em trabalho. Não aponto em papéis soltos mas em cadernos. Aprendi com o Sousa Franco num trabalho que fiz quando ele era Ministro das Finanças. Ele tinha tudo em caderninhos organizados. Tenho caixas com cadernos com todas as conversas profissionais que tive ao telefone ou presencialmente com todas as fontes. O jornalista está sempre a tomar notas e há um provérbio chinês que diz que ‘nenhuma memória é melhor do que um papel e um lápis’.

Também tenho uma relação afectiva com alguns recortes de artigos mas mandei para o lixo colecções inteiras de jornais e revistas. Tornei-me aliás muito digital. Leio jornais de todo o mundo no meu telemóvel e gasto uma pequena fortuna todos os meses em assinaturas.

E guardas amigos das redacções por onde passaste?

Eu nunca tive muitos amigos. Sou aquilo a que eufemisticamente se chama uma pessoa difícil, o que normalmente se diz das pessoas frontais. Percebi que a partir de certa altura a melhor expectativa que se pode ter não é criar novos amigos, mas gerir os que temos e o ritmo com que eles vão desaparecendo seja porque morrem,  porque se afastam naturalmente ou porque estão zangados.

Tenho vários bons amigos jornalistas e curiosamente vários bons amigos na política, do CDS ao BE.

Essas amizades nunca geraram convites políticos?

Tenho tão mau feitio e por isso que nunca me convidaram. Fui convidado a outro nível para assessor de imprensa mas recusei. Ia zangar-me com os meus interlocutores jornalistas pois sou demasiado frontal.

‘As quatro’

Da longa entrevista destacamos quatro citações que revelam o posicionamento de Filipe Santos Costa perante o jornalismo político e sobre a mulher.

A política

“Há dois problemas no jornalismo político: o primeiro é que aquilo que interessa mesmo, nós sabemos demasiado tarde; o segundo é que uma parte do que nós sabemos não podemos usar, por razões várias, por lealdade com a fonte ou outros compromissos deontológicos”.

A bolha

“Fui durante alguns anos repórter parlamentar o que significa que me cruzei com as pessoas sobre as quias escrevi. Não há como fugir. Aquilo é um microcosmos pouco saudável. Respiramos todos o mesmo ar que fica viciado. Não adorei. Aquilo era uma bolha muito viciada”.

A obra

“A famosa obra de Alexis de Tocqueville, um tipo absolutamente genial. Toda a gente devia de ler uma vez na vida o livro ‘Da Democracia na América’. Tocqueville que tem outra obra onde diz que quem só conhece um país não conhece país nenhum”.

A mulher

“Estamos juntos há 20 anos e ela incutiu-me níveis de paciência e capacidade de empatia que eu não tinha antes. Não tenho a certeza que em troca eu não lhe tenha incutido frontalidade excessiva. Ela incutiu-me a capacidade ouvir. E melhorei a escuta activa o que me levou a ter outra postura nas entrevistas. Deixei de estar menos preocupado com o guião e com as perguntas a fazer e mais atento às repostas e a deixar falar sem interromper o entrevistado”.

Curtas da vida

Qual o verbo da tua vida?

Descobrir. Adoro descobrir coisas. Lembro-me do dia de alegria enorme quando chegavam as caixas de discos com as novidades à segunda-feira, primeiro na secção de música do Bazar do Povo que o meu pai abriu, como depois na Discoteca Pátio que era dos meus pais”.

O que ouvias mais?

Música péssima…Pop, pop, pop. Não me orgulho necessariamente da música que se ouvia nessa altura, nos anos 80. Mas aprendi uma coisa nas lojas de discos. O que é mau para ti pode ser bom para as outras pessoas, e não deves julgá-las por isso. Aliás, há um livro que também é um filme, o ‘Alta Fidelidade’ que explica como agir numa loja de discos e que parece a minha história.

De quem é que tens mais saudades?

Do meu pai. Morreu quando eu tinha 16 anos…

Qual o momento inesquecível da tua carreira profissional?

Fiz muitas coisas de que me orgulho muito mas nunca deitei abaixo um ministro o que é um pena!!!!

Fui considerado pelo vice-primeiro-ministro António Vitorino de “jornalista abelhudo” por aos 23 anos ter dado uma notícia que o governo não queria que se soubesse. Foi uma medalha para mim.

Quem gostavas muito de entrevistar?

O Obama e a que mais gostei de entrevistar foi a escritora Agustina-Bessa Luis. Também gostava de entrevistar um dos meus escritores favoritos Cormac McCarthy que ainda está vivo e consta que é uma pessoa difícil.

Alguma reportagem ficou por fazer?

Não. Fiz uma reportagem que é um trabalho de que me orgulho muito. É a história de um desastre, de uma campanha desastrosa que está no ‘O Último Combate’, sobre a derradeira candidatura presidencial de Mário Soares. É veres um comboio a descarrilhar que tem como maquinista o pai da democracia e que, com total liberdade, fez a campanha para um mundo que não existia mas como queria. Ele perdeu com uma liberdade incrível, fazendo o que queria. Foi épico.

Qual a estratégia ideal para dar cabo das ‘fake’?

Não sei como se combatem os demagogos que se engrandecem e que chegam ao público através das ‘fake news’. É um problema que exige um trabalho sério, seguindo as regras, mesmo que nada te garanta que a qualidade e o mérito sejam recompensados.

Que fascínio te traz a televisão?

Nenhum. Eu acho que não sei fazer televisão. Mas valorizo mais o conteúdo do que a forma. E sou genuíno.

Ficaste mais conhecido?

Sim. Essa é uma consequência, por vezes simpática, pois as pessoas abordam-te para dar os parabéns ou até para argumentar. A exposição da televisão é incomparável. Tenho muito mais feedback de 5 minutos de televisão do que cinco meses de manchetes.

Que lugar tem a família na tua vida?

É central. É onde tudo se decide, e onde desligo das notícias.

O que andas a ler?

Em férias só leio ficções. Ando a ler um livro de contos de Clarice Lispector que estou a adorar que tem uma escrita incrível

O que procuras quando lês?

Boa escrita. Adoro palavras, sobretudo as que garantem  as frases certas para aquilo que queres dizer. Só escreves bem se leres muito.

Vais escrever mais livros?

Tenho um meio escrito com a minha parceira do Independente há uns quatro anos. Se houver assunto ou história escrevo. Não tenho imaginação para escrever ficção.

O que costumas ouvir?

Estou sempre a ouvir música. De tudo. Houve uma década em que só ouvia música clássica. Hoje a minha dieta é bem diversificada. Ouço pop, indie, jazz e clássica. E acho que a evolução da humanidade tinha um propósito: existir Spotify e Shazam!

Tens um lema de vida?

Não sou o gajo mais calmo deste mundo, mas tento obrigar-me a mim próprio a seguir um ensinamento do Dalai Lama: ‘Se podes resolver não te preocupes, se podes não resolver não te preocupes’. É uma meta. No dia em que eu conseguir não me preocupar com as coisas que não dependem de mim resolver não será mau.

Voltaremos a falar nesse dia!

O momento

“Um filho esplêndido”

Sempre que pode Filipe Santos Costa visita a Madeira para estar com mãe que ama. A entrevista decorreu em pleno Agosto na esplanada do Café do Teatro e foi subitamente interrompida pela Rita e pela Paula, antigas funcionárias dos ‘Correios´ na Avenida Zarco, assumidamente “contentes” por revê-lo.

“Muito prazer em rever esta rapaz. Um homem tão grande que conheço desde pequenino. Óptima pessoa que começou a trabalhar com a sua mãe desde novinho. Um filho esplêndido. O pai, o Carlos, era uma joia de pessoa também. Quando morreu, este rapaz deu o corpo ao manifesto na loja de discos no Pátio”, conta-nos Rita.

Deram-lhe um beijo, felizes pelo reencontro. “Já me tinha perdido de si”, conta Paula. Filipe Santos Costa ficou sem palavras. Sai uma imperial! No jornalismo, há momentos assim, surpreendentes e memoráveis.