Análise

Revoltas e hipocrisias

Há muita hipocrisia em torno da instabilidade vivida no serviço de saúde da Região. E há na mesmíssima medida, muita política, demasiada política. 33 directores clínicos apresentaram a demissão em protesto contra a posse de Mário Pereira no cargo de director clínico do SESARAM, um lugar negociado com o CDS no âmbito da coligação que nos governa e imposto, na última hora, pelo presidente do Governo, contra o desejo do secretário da Saúde, Pedro Ramos. Não será difícil perceber por que motivos.

Mas voltemos aos médicos revoltosos. Apesar de discordar da negociação de lugares e da forma como toda a administração pública regional tem sido atacada pelas cúpulas do PSD-M e do CDS, não convence o principal argumento invocado pelos directores e coordenadores de serviço contra a nomeação de Mário Pereira. Protestem, mas não invoquem a partidarização do cargo, porque essa é, decerto, uma piada para quem não tem memória do que sempre foi o quotidiano do Serviço Regional de Saúde. Que o digam os profissionais sérios, competentes e abnegados que lá trabalham, que foram ultrapassados na carreira por colegas indicados pelo poder político. Eles sabem muito bem que muitas nomeações não foram feitas apenas e só por mérito.

Depois de vetarem o nome de Filomena Gonçalves, na famigerada reunião com votação secreta à mistura, os clínicos vieram contestar nova imposição do Governo Regional sobre o sector. Mais uma. O que provavelmente não esperavam é que Mário Pereira fosse o nome a sair da cartola. De facto, quase ninguém o queria, a começar por quem dirige a Saúde na Região. Mas o lugar pertence ao CDS, que não podia perder a face nesta guerra.

Um dos problemas que afligem o SESARAM há muitos anos é precisamente o da sua politização. A saúde não pode estar dependente nem refém das vontades dos líderes partidários, nem dos caprichos de corporações. Tem de ser gerida com profissionalismo, com competência e de forma ética. Não pode estar, como tem estado, sujeita a interesses pessoais dos que exercem medicina com um pé no público e outro no privado. Se existem profissionais de corpo inteiro, respeitados e responsáveis, há também quem faça tábua rasa da deontologia e prejudique o elo mais fraco de toda a equação: o doente.

O preenchimento de cargos de responsabilidade não pode estar à mercê de jogadas de tipo algum.

Em vez de imporem nomes e saciarem clientelas discutam os reais problemas que afligem os doentes, contribuam para uma maior eficácia dos respectivos serviços, sugiram planos para diminuir as listas de espera de consultas e cirurgias, promovam e debatam as verdadeiras políticas que possam inverter o cenário actual. A revolta no sector é contraproducente. Mude-se o estatuto do SESARAM e eleja-se o director clínico entre toda a comunidade médica. O escolhido será a vontade da maioria e terá a legitimidade que uma nomeação política nunca imporá.

Mário Pereira tem uma tarefa difícil pela frente. Quem manda não o queria no lugar.