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Em tempo de excedente orçamental

Apesar dos elogios recentes de Mário Centeno ao GR, a Madeira volta a receber muito menos que os Açores

A proposta de Lei do Orçamento do Estado para o ano 2020 começou esta semana a ser discutida na Assembleia da República com suspeitas daquilo a que chamaria de falta de transparência estratégica. Efetivamente, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República apontou um excedente orçamental real superior ao previsto em 255 milhões de euros, isto por força de uma omissão das receitas decorrentes da implementação das medidas do Ministério das Finanças relativas à valorização de remunerações dos funcionários públicos. O excedente anunciado por Mário Centeno deverá afinal ser superior aos 533 milhões de euros que correspondem a 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

E, em tempo de excedente orçamental, o diploma prevê a transferência para a Região Autónoma da Madeira de menos 19,2 milhões de euros que em 2019. A Madeira recebe 228,2 milhões de euros e os Açores 293,9 milhões de euros. Contas feitas, a Madeira não só recebe menos 65,7 milhões de euros que os Açores, como recebe menos do que no ano anterior. Nos últimos cinco anos, a Madeira recebeu sempre menos que a Região Autónoma dos Açores, num diferencial acumulado de 165,8 milhões de euros. Estamos a falar de verbas transferidas ao abrigo da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, especificamente do Princípio da Solidariedade e do Fundo de Coesão Nacional. Do princípio da solidariedade nacional que visa promover a eliminação das desigualdades resultantes da situação de insularidade e de ultraperifericidade e a realização da convergência económica das regiões autónomas com o restante território nacional e com a União Europeia, num quadro constitucional de continuidade territorial, de plena consagração dos direitos de cidadania das populações insulares e de respeito pela autonomia financeira das Regiões Autónomas. Do Fundo de Coesão que dispõe em cada ano as verbas do orçamento de Estado a transferir para os orçamentos regionais, para financiar os programas e projetos de investimento.

Ora, apesar dos elogios recentes de Mário Centeno ao Governo Regional, a Madeira volta a receber muito menos que os Açores e menos do que havia recebido no ano passado. Recorde-se que o Ministro de Estado e das Finanças veio à Madeira reconhecer publicamente o excelente desempenho da governação regional, realçando que as contas públicas “mostram que, na Região Autónoma da Madeira, o investimento tem crescido mais do que no Continente e, portanto, não é de estranhar que a produtividade esteja a crescer mais” neste arquipélago “do que no conjunto da economia portuguesa”.

Significa isto, em tempo de excedente orçamental, que a Madeira, e por força do seu bom desempenho de governação, acaba penalizada nas transferências ao abrigo da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, num quadro incompreensível que desconsidera ainda condicionalismos estruturais que impõem medidas específicas, também de estabilidade nas políticas de investimento e de governação de médio e longo prazo, tão importantes para o crescimento sustentável e para o desenvolvimento equilibrado do país. É evidente que o quadro legal teria de ser sensível ao bom desempenho de governação regional, numa perspetiva consistente de continuidade e salvaguarda das legítimas expetativas da Região no cumprimento da sua autonomia. É, por isso, fundamental criar rapidamente condições para a alteração da atual Lei das Finanças das Regiões Autónomas, num compromisso político sério que deverá envolver todos os partidos.