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Uma semana sem juízo

O Portugal político e mediático tem pela União o maior desdém

Identidade

Na trapalhada da contagem do tempo de serviço dos professores, a Direita portuguesa reincidiu no seu mais grave defeito: o de se definir, não por afirmação, mas em função do que os outros não são.

Ao votar favoravelmente na reposição do tempo de carreira, em prejuízo das contas públicas e da equidade entre carreiras do Estado, PSD e PP não afrontaram o Governo, afrontaram-se a si mesmos. E deram a Costa uma oportunidade de lembrar ao eleitorado que, para política de centro, estava lá ele. O mais que se possa dizer é acessório.

A Direita tem, talvez, pazes a fazer com o seu período pós-revolucionário, e com o sentido moderno da social-democracia ou da democracia cristã. Mas essas pazes chegam tarde, e o seu atraso é um reflexo de partidos menos rejuvenescidos e amadurecidos do que a própria população. A Direita continua com pudor de ser de Direita, e por isso é tão desorientada pela Geringonça. O cúmulo dessa desorientação é o absurdo, esta semana discretamente confirmado, de existir mais PSD com vergonha de Passos Coelho, do que PS com vergonha de José Sócrates.

A vergonha é uma virtude. Sentida gratuitamente, porém, é sinal de uma falta de identidade que coabita com a fraqueza. A política despreza o vazio. Se a Direita não se afirmar, alguém o fará por ela. Depois não culpem o populismo.

Uma verdade convenienteA Assembleia da República convidou Greta Thunberg, activista ambiental, para discursar em São Bento.

É caso para introspecção. Mesmo dando de barato que o clima é uma “emergência”, mesmo desconsiderando a ameaça - definitiva - desta nova vaga ecológica para a liberdade, e mesmo descontando a inocência (nem por isso censurável) do movimento, há que convir aos gazeteiros de instagram que a primeira marca de um discurso ser inofensivo é o “inimigo” convidar-nos a fazê-lo em sua casa.

Não é acidente que o Parlamento se sinta confortável para receber Greta. Portugal integra uma União com os mais altos padrões ambientais do Mundo, sólida e solidariamente comprometida com o combate às alterações climáticas. Os países da UE, com as fraquezas que têm, ratificaram os tratados internacionais relevantes, aceitam o papel deletério do homem no planeta, possuem sistemas sofisticados de recolha e valorização de resíduos, e desenvolveram mecanismos competentes de prevenção do crime ambiental.

Que vem, então, Greta fazer a Portugal, além de um discurso alarmista, do pastoreio de adolescentes bem intencionados, e de perceber quanto custa andar de comboio a sul de Nantes?

Vem, provavelmente, alegar que o combate às alterações climáticas se faz essencialmente na arena da conveniência e da culpa ocidentais: na carne e no peixe, no plástico dos copos e das garrafas, nas roupas e nas lavagens à mão, no carro e no avião (boa sorte Madeirenses!). E vem, sem querer, esconder que essa luta se joga sobretudo num complexo tabuleiro geoestratégico, entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, países que assinam tratados e países que os esconjuram, países que cumprem e países que não cumprem - para dominar.

É então um pouco exótico que a comunicação social que tanto incensa Greta tenha seguido, com idêntica devoção e crença, o périplo do Presidente da República pela China, onde Portugal, à semelhança de muitos bons Estados, reforçou os seus laços com a economia mais poluente do mundo, cuja produção de CO2 se estima superior à da Europa e Estados Unidos combinada, onde milhares morrem e milhões adoecem devido à insalubridade dos solos, das águas e dos ares.

Até à data, porém, não se regista qualquer convite do Congresso Nacional do Povo Chinês para ouvir Greta discursar. Nem se conhece, de resto, qualquer protesto da “Extinction Rebellion” nessa República Popular, ou sequer a propósito dela, apesar das competentes condições da praça Tiananmen para o efeito.

Agora pensem.

EuropeiasUma campanha marcada por desinformação e desinteresse popular, agravada por apelos condescendentes e sensacionalistas ao voto.

Não é novidade. O Portugal político e mediático tem pela União o maior desdém. Nota de rodapé nos currículos escolares, votada ao ocaso nas notícias, culpada dos males que não lhe competem e inocentada dos bens que traz, a Europa ressuscita apenas periodicamente, para ainda assim ser destratada, seja como mero barómetro da política nacional, seja como agência de emprego do aparelho.

Este alheamento é estratégico, e é mortífero. Inchados de arrogância, preparamo-nos para de novo nos abstermos de sufragar uma instituição que fez mais pelas liberdades, pelo Estado de Direito, pelo progresso económico e pela paz do que qualquer dos governos europeus.

Há coisas difíceis de entender.