Crónicas

O negócio da insularidade

A Madeira não gera receitas suficientes para o nível da sua despesa, apesar da carga fiscal ser muito elevada

Viver numa ilha tem constrangimentos permanentes e tem custos elevados derivados da descontinuidade territorial e dos sobrecustos do transporte de pessoas e bens. Não se trata de conceptualizar ou de sentir a insularidade porque isso levar-nos-ia muito longe até aos domínios da filosofia e da utopia, mas sim de avaliar e quantificar os custos, e são muitos, de viver nas ilhas, longe dos centros de poder e de decisão. Ao longo da história, os ilhéus sofreram com o esquecimento e o centralismo, pesa embora a importância que estas tiveram na expansão portuguesa e na valorização estratégica do país. Ainda hoje, os nossos direitos e ambições são coartados, apesar de, perdido o império, serem as ilhas que dão dimensão a Portugal e alargam o seu território pelo Atlântico. O que seria do país reduzido à faixa continental e sem as ilhas da Madeira e dos Açores? A pergunta pode ser provocatória, mas não deixa de ser pertinente porque nem sempre o Estado valoriza as suas ilhas e os portugueses que nelas vivem.

É impossível vencer a insularidade, mas é possível esbater as suas consequências e, sobretudo, reduzir o seu impacto sobre os cidadãos e as empresas, pois todo sabemos que o custo de vida e os custos de produção são, substancialmente, mais caros na Madeira e, em particular no Porto Santo, do que no território continental. Um político lisboeta da extrema esquerda costumava dizer que “a autonomia é uma invenção, mas a insularidade é uma realidade”. Infelizmente, em todos os quadrantes políticos, há quem pense só na ultima verdade e esqueça o quanto o sistema de autogoverno contribui para a unidade nacional.

A Autonomia foi uma grande conquista dos povos insulares e o governo próprio possibilitou um avanço substancial na superação de muitas carências e no desenvolvimento socioeconómico das ilhas. A regionalização de competências e serviços, aproximando os centros de decisão das populações, contribuiu em muito para a melhoria das condições de vida de madeirenses e açorianos. Só que essa descentralização de poderes da República para as Regiões nem sempre foi acompanhada das correspondentes transferências financeiras e, hoje, os Orçamentos regionais suportam, na totalidade, funções e serviços que incumbem ao Estado, como são os casos da Educação e da Saúde, que no caso das ilhas têm custos muito superiores aos do território continental. Para além disso, a Madeira assumiu investimentos em infraestruturas de interesse nacional, como o aeroporto, que deveriam ser suportados pelo Estado. Nalgumas situações a Autonomia foi um “bom negócio” para o Terreiro do Paço.

As extremas dificuldades da Madeira, originadas pela pesada dívida que deu origem ao Plano de Ajustamento, com as consequentes sequelas no tecido económico e com ruturas no tecido social e os constrangimentos financeiros que enfrentamos para o pagamento de juros e amortizações, impõe-nos uma reflexão sobre o modelo de financiamento da nossa Autonomia. A Região vai arrecadar de impostos, este ano, á volta de 854 milhões de euros e só com a Educação e a Saúde vai gastar 668 milhões, pese embora nenhum dos setores corresponder às necessidades dos cidadãos. Por outro lado, a totalidade da receita do IRS (205 milhões de euros) irá para pagamento dos juros da dívida. Por estes dados, temos uma noção do problema que está colocado à governação regional nos próximos anos.

A Madeira não gera receitas suficientes para o nível da sua despesa, apesar da carga fiscal ser muito elevada e por isso temos que atuar dos dois lados do problema: reduzir a despesa por via de uma comparticipação do Estado nos custos da Educação e da Saúde e ter poder para criar um sistema de impostos que atraia investimento externo e gere mais receita.

As ilhas Canárias têm há muito, estudados e avaliados os reais custos da insularidade e esse tem sido o seu melhor argumentário nas negociações que mantém com o Governo de Madrid. Talvez por isso conseguiram, recentemente, um renovado Estatuto com substanciais comparticipações ao seu desenvolvimento e à cobertura dos custos de insularidade das famílias e das empresas. Nós por cá, vamos nos contentando com uma reclamação aqui, uma reivindicação ali, um protesto acolá, e uns subsídios de vez em quando. Está na altura de fazer um estudo e quantificar muito bem o que custa a nossa insularidade e ultraperiferia, para saber o que deve ser financiado pelo Estado, o que tem que merecer o apoio da União Europeia e aquilo que é da nossa responsabilidade. A partir daí, ficaria mais fácil vencer as resistências dos centralistas e demonstrar a nossa razão.