Crónicas

Surrealismo político

O voto contra Costa e Cafôfo é um fait divers que usou a casa da representação do povo e da democracia para um debate partidário de alguns aflitos com o seu futuro político

Um indivíduo discursa com sapiência, coerência e verdade, um contributo para o debate. A Um valente covarde escapa-lhe um “vai-te embora fdp!”. O novato ao lado pergunta: - mas o que é que se passa? Ele falou bem. O outro responde: - não é dos nossos! - Ahhhh! Algum tempo depois surge novo discursante, falado para um cargo, logo em graça. A intervenção foi horrorosa e na cabeça de todos ficou “como é que aquela anta vai parar ao tacho”? O novato comenta: - pqp que cromo do c...., donde saiu esta abelhinha? O sénior nas andanças replica: - cala-te, levanta-te e bate palmas. O novato: - Palmas?! O sénior: - queres entrar nesta m.... ou não queres? Não é uma caricatura, é um episódio a que assisti e caracteriza a nossa política em off.

A mediocridade vinga porque os meritosos comungam da política de combate ideológico com código deontológico, com ideias na busca da incoerência do adversário, de forma aberta e plural. Entretanto, tudo se transformou, a esperteza sem referências, legado ou decoro vinga. O voto não se conquista nem se convence, antes compra-se ou obtém-se com favores. Na neo política orbitam políticos em busca da realização pessoal sem sincero foco no eleitor.

Os partidos unidos pela ideologia, de individualidades com profissão e experientes em diversas áreas da nossa sociedade, que vinham aos partidos contribuir ou até exercer um cargo, deram lugar a empertigados “recém-encartados” a acelerar um “carro” que não dominam. Com a degradação da economia, mais rude é o trato entre militantes na busca do el-dorado, ao ponto de se formarem autênticos gangs. Nesta “guerra” para controlo da zona, os ostracizados de todos os quadrantes políticos, que não compactuam com a delinquência, conversam melhor entre si do que com companheiros de partido. Se esta gente de cariz democrático e compatível se juntar a uma poderosa máquina partidária e tiverem um líder carismático, reúnem as condições para uma Primavera Macron na Madeira em 2019. Os partidos tradicionais ficariam para os sôfregos egoístas brincarem aos impérios e às humildes casinhas, a maioria com medo de crescer para não desestabilizar a harmonia sem sombra.

Refundar poderia ser uma solução para alguns partidos se as mesmas castas de dependentes não voltassem a montar o mesmo esquema na nova matriz, sem trazer de volta a linha ideológica e o serviço aos eleitores no tradicional alheamento da maioria em relação à política.

O poder passou a ser um investimento, a neo-democracia é cada vez mais uma corporocracia, onde se “compra”, ameaça, condiciona e chantageia para posse e permanência no poder (usucapião político) e que faz rodar caras da mesma moeda. Os partidos e a democracia tornam-se posse de algumas famílias que instalam os seus impérios no erário público e usam o fanatismo partidário para levar incautos a dar-lhes a cara.

O episódio da última quarta feira na ALR prova a primeira preocupação dos representantes do povo, o EU. O voto contra Costa e Cafôfo é um fait divers que usou a casa da representação do povo e da democracia para um debate partidário de alguns aflitos com o seu futuro político. Mais do que centralismo, o pragmatismo ultrapassou o comodismo. Descontrolou o sistema.

Por esta altura, Cafôfo faz de Jardim em tempos, ele contra todos, o que é uma grande importância. Jardim está a findar a sua travessia do deserto e ainda vai ser mártir, quanto mais o atacarem e o tiverem presente num mandato do executivo regional paupérrimo. Jardim diverte-se sempre perto da pólvora, concedendo uma imagem ao levar o seu livro a Paulo Cafôfo. Atingiu todos os seus “amigos” políticos. O PS continua desfocado do essencial, sem crescer numa altura tão propícia para captar quadros e empatia. O voto de protesto, pelo contrário, fortaleceu a imagem de Costa e Cafôfo e evidenciou o ADN suicida do PS regional. A Renovação, satisfeita por um episódio de dividir para reinar, disfarça o seu própio fraccionamento por posicionamentos cínicos e com governantes não políticos. O líder não ouve ou não está a ler, está a dar força ao seu desastre pessoal e do PSD-M. As pessoas deixaram de votar em partidos, votam em pessoas em que acreditam. Quem tiver capital político ditará o futuro dos partidos que escolherem, eles serão a charneira. Costa, um camaleão, usa toda a palete de cores na composição do seu capital político. Paulo Cafòfo está convencido do seu jogo numa onda muito favorável mas desperdiça momentos de ouro que lhe passam ao lado.

Numas autárquicas que decidem as Regionais é preciso ter presente que única maneira do PSD-M salvar a sua imagem pública é com uma nova esperança externa que dissipe a dúvida da ascendência dos seus lobbies sobre candidatos. Não é possível repetir a estratégia das Regionais de 2015, queimaram a credibilidade e a oportunidade. Por esta pré-campanha, Rubina tem dado tiros nos pés com o “compra e oferece”, ora do erário público, ora dos lobbies e promove uma política interesseira incomportável no futuro, por cada satisfeito multiplicam descontentes, a cara chapada do PSD-M que alimenta poucos e que o povo odeia. O eleitor vê novas marionetas a tentar ganhar ou condicionar as eleições com mãos escondidas a articular, as que tudo pagam na campanha para manterem o vínculo ao erário público. A comunicação política roça o infantil, o reverso da medalha para quem promove tanta verdura política, fotos sem ideias, perfis falsos sem caras credíveis, etc.

Com este panorama, usar a ALR para um voto de protesto político numa união de acomodados e dependentes na casa que deveria servir o povo não é idóneo, o único que verbalizou a lucidez foi Paulo Alves da JPP avaliando o momento como “questão de política partidária” e não do interesse do povo.

Nesta distorção democrática a que chamo de surrealismo político podemos ter a nossa Primavera Macron, com políticos que saibam ler o momento para se tornarem líderes e com eleitores, mais do que alheados, anestesiados ou comprados, que estejam informados. Reencontre o interesse em votar, prevêem-se tempos de muito reboliço no horizonte, não entregue o ouro ao bandido.