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Direitos a custo

A consequente fragilidade dos vínculos contratuais tem servido para a vulnerabilização de milhares de trabalhadores

Quem acompanha o mundo do trabalho tem consciência das profundas alterações introduzidas na legislação laboral. A consequente fragilidade dos vínculos contratuais tem servido para a vulnerabilização de milhares de trabalhadores perante o que prefigura ser uma certa condescendência, para com incumprimentos, quando não abusos de entidades patronais, por parte de quem deve fiscalizar. A polémica com os horários de trabalho da Autoeuropa, ou a diferença entre o texto de muitos contratos e as condições de trabalho efetivas, são um exemplo. As organizações sindicais sabem do quão difícil é a sindicalização entre os jovens trabalhadores e de como a liberdade sindical fica à porta de muitas empresas, havendo até quem reporte casos de proibição à filiação sindical. Fala-se de intimidação e de alguma impunidade face a abusos mais ou menos declarados e admitidos. E é difícil ganhar batalhas jurídicas ou obter decisões favoráveis ao trabalhador, diz quem lida no meio, por via das profundas alterações havidas na legislação laboral, um campo onde, adivinha-se, dificilmente haverá reversão de vulto, em termos de direitos. Face à infinita capacidade de litigância por parte do parceiro mais forte, torna-se impossível aos dirigentes sindicais conseguir decisões favoráveis aos seus associados. Situação ainda mais difícil para trabalhadores isolados, não sindicalizados, ou em empresas onde não há influência sindical.

2. A revista Time considerou personagem do ano as centenas de pessoas, na maioria mulheres que, vencendo o medo, a vergonha, o trauma, têm dado a cara e denunciado os episódios de importunação, assédio ou abuso sexual de que foram vítimas por parte de agressores, uma atitude de coragem que se impõe, no sentido de fazer despertar para uma cada vez maior censura social e uma efetiva mudança de mentalidades. É tempo de em todas as latitudes, fazer a mulher ganhar consciência do seu valor humano enquanto pessoa, biologicamente diferente mas igual em dignidade e direito à integridade física e moral, à afirmação da sua individualidade e vontade, no respeito pelas suas opções, em liberdade e independência. Quer em relações hierárquicas, ou entre iguais, na esfera pública ou privada, nada concede às chefias ou parceiros, o direito de humilhar, nem a masculinidade se prova por práticas abusivas no relacionamento interpessoal, nem por mistificações de submissão aliada a características de género. É tempo de se afirmar que, sim, ninguém tem o direito de atirar dichotes boçais, humilhantes sobre partes do corpo, vestuário ou quaisquer características particulares de outrem. Há palavras que ferem de morte. Nada impõe a uma parte da humanidade a obrigação de estar à disposição arbitrária de outra e ninguém é detentor de poder e legitimidade que lhe permita arrogar-se o direito de exercer dominação ou tirania sobre género diferente... É tempo de se acabar com inaceitáveis estereótipos de género, e práticas culturais tradicionais, condenáveis à luz da modernidade, dos direitos humanos e dos padrões jurídicos. É mais do que tempo de se reconhecer que nenhuma relação humana confere a quem quer que seja, o direito de ultrapassar a preciosa linha invisível mas latente, delimitadora do perímetro psicológico e moral da individualidade, da integridade, da determinação e da liberdade de cada ser humano. Isso é uma grave ofensa à dignidade humana, isso é violência. E é crime!