5 Sentidos

Pintura de Pires de Évora cedida ao Museu de Arte Antiga foi criada com “sensibilidade”

Foto Museu Nacional de Arte Antiga
Foto Museu Nacional de Arte Antiga

A obra “A Virgem e o menino com dois anjos”, criada por Álvaro Pires de Évora no início do século XV, foi criada com “muito requinte e sensibilidade”, segundo a direção do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA).

“É uma obra muito pequena, num tema tratado com frequência nesta época, e aqui com muito requinte e sensibilidade, e que se distingue um pouco [de ‘A Anunciação’, do mesmo autor] pela conceção do espaço, que é mais Renascentista”, disse à agência Lusa José Alberto Seabra, diretor-adjunto do MNAA.

A peça foi cedida em depósito ao MNAA, em Lisboa, por dois colecionadores, num empréstimo de longa duração renovável a cada ano.

“A Virgem e o menino com dois anjos”, criada entre 1425 e 1430, foi depositada no MNAA “por generosa iniciativa” dos colecionadores Maria Inês e João Soares da Silva, que a adquiriram há cerca de dez anos também num leilão, em Nova Iorque, como foi o caso de “A Anunciação”, comprado pelo Estado português por 280 mil euros este ano.

Trata-se de uma peça realizada na mesma oficina de inícios do seculo XV e “apresenta a delicadeza de desenho, a limpidez de colorido e elegância de composição que caracterizam bem o estilo do pintor português, já na última fase da sua carreira”, segundo o MNAA.

Contactado pela agência Lusa, o diretor-adjunto do museu considerou muito importante que a entidade possa acolher presentemente duas obras do mais antigo pintor português.

“Agora temos duas peças muito representativas da parte final da sua carreira, o que é muito importante, e raro”, sublinhou.

Questionado sobre se o surgimento desta peça foi uma surpresa para os especialistas, o responsável anuiu, apontando que são “raríssimas”, e conhecidas apenas cerca de 30 obras deste pintor em todo o mundo, sem colocar de parte que possam surgir outras.

Até agora, Nuno Gonçalves - ativo de 1450 a 1492 -, era a referência do pintor português mais antigo, pelos seus emblemáticos Painéis de São Vicente, um dos ‘ex-libris’ do MNAA.

Porém, ainda nas primeiras décadas do século XV, num tempo em que o rei D. João I (1385-1433) teve ao seu serviço um pintor florentino (dito António Florentim), este outro pintor português encontrava-se ativo e com obra hoje plenamente identificada, embora o seu nome não conste de nenhum relato biográfico circunstanciado ou de muitos documentos da época.

Quase apenas é conhecido pela forma como deixou assinadas algumas das suas criações, nomeadamente a assinatura que subsiste num painel retabular da igreja de Santa Croce em Fossabanda, Pisa, Itália: “ALVARO PIREZ DEVORA PINTOV”.

“O paradoxo deste despontar da pintura portuguesa reside, com efeito, na circunstância de Álvaro Pires ser um ´estrangeirado´, um pintor português apenas documentado na região italiana da Toscana entre 1411 e 1434, ativo em cidades como Prato, Lucca, Volterra e Pisa”, segundo o MNAA.

Devido à importância da sua obra, Álvaro Pires “não deixa também de ser o primeiro pintor nascido em Portugal a quem se pode seguramente atribuir uma obra artística”.

Nesta obra agora depositada no MNAA, é representada a Virgem entronizada com o Menino, ladeados em veneração por dois anjos, com um “trono ornamentado por um riquíssimo pano honorífico, e a espacialidade da composição, desde o plano em que se inscrevem os graciosos anjos até à bem projetada configuração do assento da Virgem, é particularmente relevante”.

Em março, quando foi apresentado o quadro “A Anunciação”, na presença do primeiro-ministro, António Costa, e do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, a tutela indicou que esta peça, “pelos valores envolvidos em todas estas operações [relacionadas com o leilão], [será] uma das maiores incorporações de bens artísticos nas coleções nacionais de que há memória, desde a Implantação da República”.

O quadro foi adquirido pelo Estado, num leilão, em Nova Iorque, em fevereiro, por 280 mil euros, tornando-se a primeira obra deste artista a entrar na coleção daquela entidade, e foi colocada na mesma sala dos Painéis de São Vicente, atribuídos a Nuno Gonçalves.

A pintura foi comprada por 350 mil dólares (280 mil euros), num leilão da Sotheby’s, em Nova Iorque, em fevereiro, com o apoio do Grupo dos Amigos do MNAA, e passou a estar em exposição permanente no museu.

Parte de um díptico pintado pelo artista português Álvaro Pires de Évora, entre 1430 e 1434, “A Anunciação” passou a ser a segunda pintura conhecida do autor em Portugal, depois de “A Virgem com o Menino entre S. Bartolomeu e Santo Antão, sob a Anunciação”, que pertence ao acervo do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora.

É conhecida ainda outra pintura do mesmo mestre, “São Cosme”, vendida em fevereiro deste ano em leilão, em Lisboa, por 75 mil euros, que o Estado tentou comprar, mas que acabou por ser arrematada por um particular.

Álvaro Pires de Évora, pintor que nasceu em Portugal na primeira metade do século XV, viveu quase toda a sua vida em Itália, está documentado na região da Toscana, em Itália, entre 1411 e 1434, começando pela sua integração num grupo de pintores florentinos encarregados de pintar a fachada do palácio del Ceppo, em Prato, pertencente ao mercador e banqueiro Francesco Datini.