Crónicas

O seu a seu dono

Agora, aparecem uns iluminados a defenderem determinadas ideias, compiladas de vários quadrantes, como se fossem novas, quando outros já as apresentaram há muito tempo.

A paternidade das ideias e os direitos de autor em política são muito pouco respeitados e com a concorrência e o tempo, perde-se a noção de quem apresentou uma determinada proposta e quem aprovou ou rejeitou uma certa lei. Os usurpadores estão ao virar da esquina e arvoram- se logo em detentores da iniciativa. Acresce o facto de que em política não é aconselhável ter razão antes do tempo, antes pelo contrário até pode ser uma desvantagem, pois nem sempre somos entendidos pelas pessoas. Já ando há muito tempo nestas lides para saber que esta é a realidade, mas também já tenho trabalho realizado que me permite avivar a memória curta de alguns adversários a propósito de algumas questões que estão em debate no espaço público.

Quando o CDS defendeu em 2000, a construção de um novo Hospital, ficou quase sozinho, exceção feita ao PCP, a explicar que essa era uma boa parte da solução para prestar melhores serviços de saúde às populações. Agora, praticamente, todos o defendem e ainda bem que ele vai ser edificado. Um ano antes, o partido apresentou uma resolução para que os idosos de baixos rendimentos tivessem um Passe gratuito nos transportes terrestres, tendo a proposta sido aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa, mas nunca concretizada, na sua plenitude, pelo Governo Regional, e agora, 20 anos passados, vejo que o Executivo vai concretizar a medida a partir de março. Também o PC e outros vieram, tempos depois, defender a ideia. Ainda bem, mas convém lembrar o mérito de quem teve a ideia e a preocupação social.

Quando fui deputado à Assembleia da República, apresentei duas propostas importantes para a Região que estão a ser concretizadas: a construção do radar meteorológico que acabou por ficar localizado no Porto Santo e a extensão do subsídio de mobilidade ao transporte marítimo de passageiros. Ambas foram aprovadas por larga maioria e não querendo louros, gostaria de lembrar a sua autoria para que não haja esquecimentos e apropriações indevidas. A necessidade do radar seguiu-se à tragédia de 20 de fevereiro, e havia sido reclamada pelos especialistas do Instituto de Meteorologia para tornar mais fiáveis as previsões do tempo e prevenir as populações para as intempéries. Na altura (julho de 2010) justifiquei a sua urgência, salientando que a catástrofe tinha posto a descoberto a fragilidade das previsões do tempo nas ilhas e sublinhei que “... a existência de um radar na Madeira teria contribuído para acompanhar a evolução do fenómeno meteorológico e de prever com algumas horas de antecedência o seu impacto” para além de acentuar que “ as ilhas pela sua natureza estão sujeitas a estes fenómenos que, com as alterações climáticas, terão tendência a serem mais frequentes e devastadores”. Ainda bem que está concretizado e espero que todos possamos estar mais seguros.

A segunda iniciativa que apresentei, visava o preenchimento de uma lacuna que o Decreto de liberalização aérea continha em termos de continuidade territorial, pois era e é uma evidência que a mobilidade dos residentes nas ilhas tanto pode ser feita por via aérea como por via marítima e que não faz sentido que o Estado subsidie o transporte pelo ar e não o faça pelo mar, naturalmente, quando existem navios...

A verdade é que já passaram 8 anos e só agora a República admite concretizar o que está estipulado na Lei desde 2011 e falta apenas regulamentar. Na altura da aprovação da proposta do CDS, recordei que fora o próprio Estado a solicitar autorização à União Europeia para aplicar o subsídio ás ligações marítimas, o que mereceu a anuência de Bruxelas, e que não fazia sentido estar a invocar razões financeiras para não concretizar a medida, como fez o Governo de então do PS, já que o subsídio era de igual valor e, portanto, não constituía qualquer aumento da despesa. A questão volta e bem a estar, de novo, na mesa das negociações e só espero que o Estado, também, comparticipe nos custos da operação ferry que começou a ser realizada no verão de 2018, que deverá repetir-se este ano e que está a ser suportada totalmente pelo Orçamento Regional. O mesmo se passou, no início deste século, quando o CDS defendeu o uso de meios aéreos no combate aos fogos florestais e ficou a falar sozinho, e afinal hoje confirma-se a sua eficácia e o mesmo se passa, por estes dias, com a proposta do Estatuto do Cuidador Informal que o CDS tem vindo a defender e que será concretizado.

Se trago estes assuntos à colação é porque continuam na ordem do dia e porque, sem jactância ou vaidade, contribuí humildemente, mas com muita negociação e trabalho para que eles fossem discutidos e começassem a ser resolvidos. Agora, aparecem uns iluminados a defenderem determinadas ideias, compiladas de vários quadrantes, como se fossem novas, quando outros já as apresentaram há muito tempo. Fica para memória futura porque como diz o povo: o seu a seu dono.