Crónicas

EH PÁ com tanto TRABALHO

Há um desfasamento entre aquilo que são as vocações dos jovens, as ofertas de ensino e as necessidades do mercado de trabalho

Aqui há uns anos, durante a revolução portuguesa, ficou famoso, um sketch do saudoso Raul Solnado sobre uma realidade de todos os tempos. Uma grande manifestação descia uma larga avenida e os integrantes tinham como palavra de ordem: “queremos trabalho, queremos trabalho”. Um individuo que assistia ao desfile interpelou um dos manifestantes (Solnado), oferecendo-lhe um emprego. Resposta pronta do nosso amigo: “eh pá com tanta gente aqui você tinha logo que pegar comigo...” Vem a piada à lembrança, que não a propósito, de uma realidade dos nossos dias que merece reflexão e ação.

A Região tem um claro desfasamento entre a procura e a oferta no mercado de trabalho. Continuamos com a mais elevada taxa de desemprego do país (8%, mais de 15 mil pessoas sem trabalho), embora muitas empresas não encontrem mão de obra e quadros para a suas necessidades. Estamos mesmo a importar trabalhadores nalgumas áreas ligadas à construção civil. Não é de hoje esta distorção, mas ela ganha contornos mais estranhos quando era, claramente, previsível esta situação face à conclusão de algumas grandes obras públicas, ao boom de construção de novas unidades hoteleiras e à recuperação da economia. Não se percebe como o setor público, mas também o privado, ligados à formação profissional não estiveram atentos e não responderam a esta realidade emergente. Havia 351 ofertas de emprego no final de setembro sem interessados. Mais grave: tínhamos uma taxa de 11,8 por cento de desempregados com menos de 25 anos e a grande parte do total de pessoas que não conseguem encontrar trabalho, só possuem o ensino básico (60%).

Desde há muitos anos que em Portugal, e também na Madeira, se assiste a um desfasamento entre aquilo que são as vocações dos jovens, as ofertas de ensino e as necessidades do mercado de trabalho. O sistema de Educação esteve e está virado para o ensino superior e para a oferta de cursos, alguns sem qualquer empregabilidade, destinados, em muitos casos, a manter os quadros de professores e a sobrevivência das Universidades, em vez de responder aos “interesses” dos alunos e ás perspetivas económicas. É evidente que a Universidade, a nossa também, não pode perder o seu carater universalista de escola de valores, de sabedorias e de conhecimentos, mas também não pode estar alheada da comunidade onde se insere. Como compreender que numa terra que vive do turismo só agora a UMa abra um curso ligado a esta área? Mas o problema mais grave, está no ensino secundário, onde só nos últimos anos, se começou a dar alguns passos no chamado ensino profissional. Os programas, os currículos estão todos virados para que os alunos atinjam uma licenciatura. Claro que esta política levou à inexistência, atualmente, de bons quadros intermédios em áreas especializadas, que no passado eram formados nas escolas de artes e de ofícios e nas escolas industriais e comerciais. Infelizmente, os preconceitos ideológicos acabaram com esses estabelecimentos que, no caso da Madeira, foram formadores de excelentes profissionais que deram cartas no mercado regional.

A Região tem uma escandalosa taxa de abandono escolar (24%) e o nível de insucesso escolar é elevado. Estes são problemas que me preocupam há muitos anos, pois tenho a firme convicção que a principal desigualdade social é a desigualdade do conhecimento, já que é esta que leva ás outras como as disparidades salariais e as dificuldades de integração na sociedade. Por isso, para além de denunciar, temos que encontrar respostas para o abandono precoce da escola e, sobretudo julgo que temos que elaborar soluções. Tenho encontrado jovens que saem no oitavo e nono ano e pergunto-lhes porquê? A resposta é quase sempre: “não aprendia nada nas aulas que me sirva para a minha vida ou para quando for trabalhar”. Dá que pensar. Não sou um especialista, longe disso, mas entendo que a via profissionalizante é o caminho para tornar o ensino apelativo para estes jovens e útil para a comunidade. Infelizmente, em Portugal, em 2016, extinguiram-se os Cursos Vocacionais que permitiam uma oferta diferenciada aos alunos, consoante as suas aptidões e conhecimentos, permitindo-lhes voltar a um percurso de prosseguimento dos estudos, sempre que fosse essa a sua opção. Na Alemanha, Áustria e Itália, mais de 50 por cento dos jovens enveredam por cursos profissionais no ensino secundário e encontram colocação no mercado de trabalho. Neste chamado ensino dual, que está agora a ser transposto para várias regiões do globo, os jovens, a partir dos 14 anos, têm várias opções de ensino, com diversos percursos profissionais, sendo que a porta da Universidade está sempre aberta se assim o desejarem. A verdade é que nestes países há um ajustamento entre a oferta de ensino e as necessidades do mercado de empego. Aqui defende-se que todos têm que ser doutores, mesmo que depois não tenham emprego!