Crónicas

Daqui e Dali

Não há como negar que desde que o aeroporto mudou de nome que os dias de inoperacionalidade por motivos atmosféricos aumentaram.

1. Disco: em boa hora surge esta reedição de “You’re the Man” de Marvin Gaye onde nos são oferecidas algumas novas remisturas feitas por Salaam Remi produtor de Amy Winehouse. Sabe sempre bem voltar lá atrás.

2. Livro: Gosto de Salman Rushdie. O ser provocador. O dom que tem de abanar consciências, de meter o dedo nas feridas e de escarafunchar até doer. Muito. E depois é divertido lê-lo. Em “O Último Suspiro do Mouro” leva-nos numa viagem à volta da família Gama pretensamente aparentados com um tal de Vasco. Uma viagem entre a Índia e o sul de Espanha feita na companhia de fantásticas personagens que urdem uma história que nos agarra até ao seu final.

3. O nepotismo configura a prática de dar trabalho e outras vantagens a amigos muito chegados e família, especialmente na vida política e entre as suas organizações, sem que as habilitações e qualificações sejam a causa maior da escolha. Mais, a tudo isto associa-se o facto de um favor ser correspondido por outro ou outros. O favorecido está sempre de acordo com o favorecedor e não lhe questiona a autoridade, criando-se uma relação de dependência.

4. Na crónica da semana passada brinquei aqui com um poema de Carlos Drummond de Andrade a propósito das relações familiares no Governo da República. Uma espécie de árvore geringoncealógica, como a definiu um amigo. Mal sabia eu que ao longo da semana houve quem se dedicasse a falar das relações familiares dentro do PSD Madeira, que são muitas e existem desde sempre e só não sabia delas quem nunca as quis ver, e numa revista nacional veio mesmo um artigo com uma árvore sobre o mesmo no PS Madeira.

Houve logo quem viesse sugerir que se criasse legislação de modo a impedir que estas coisas acontecessem. A mim faz-me imensa impressão ter que viver num país que tem que legislar a ética quando esta deve ser um valor comum a todos. Este tipo de atitudes ficam sempre com quem as toma e devemos todos tirar as ilações das mesmas quando votamos.

Educação, é pela educação que lá chegamos. Uma educação que transmita valores. Uma educação que comece em casa passe pela escola e acabe na envolvência social.

5. No partido que integro tenho uma prima afastada, a minha mulher e a mais velha das três filhas. A minha prima é mulher de valor e de fibra que não tem nada a provar a ninguém. Correrá o seu caminho com os seus sapatos.

Agora as coitadas da minha companheira e da minha filha não irão muito longe enquanto eu desempenhar tarefas de responsabilidade. Têm a sorte de aqui haver limitação de mandatos o que levará a que dentro de algum tempo tenha que dar o lugar a outros que, tenho a certeza, serão os que levarão o barco a bom porto. Enquanto isso prometo-lhes, se o não puder evitar porque não somos muitos, os últimos lugares nas listas de seja lá para o que for.

E atenção que são duas pessoas pelas quais tenho uma enorme admiração intelectual e política.

6. Desculpem-me a franqueza e mesmo uma certa rudeza, mas os ingleses nesta coisa foi Brexit são assim a modos como os tomates: querem ficar mas não participam.

7. Sempre que passo pela Marina do Lugar de Baixo e vejo aquela estrutura que nos impede de ver a partir da estrada a “beleza” de todo o complexo, ponho-me a pensar que o que deviam fazer era retirar os tapumes que nos impedem de ver a pouca-vergonha que aquilo é.

Devia ser considerado monumento regional. Um monumento à incúria, à teimosia, à marronquice, à empáfia.

Ficar à vista de todos até que sozinha a natureza desse cabo daquilo tudo.

Era ali que todos os políticos da Madeira deviam tomar posse quando acometidos de responsabilidades políticas, para que entendessem que daquilo nunca mais.

8. Excelente o artigo do Pedro Melvill de Araújo aqui escrito na semana passada que explica, com a serenidade, que o momento exige, o segredo do sucesso do nosso SRS durante tantos anos: as parcerias estabelecidas entre o público e o privado.

Tenho a certeza de que me desculpará por lhe roubar a ideia do “pacto de bom senso”, ao invés do pacto de regime para a saúde, pois é disso mesmo que precisamos. De bom senso.

9. Que fique bem claro que não tive, nem tenho nada contra o facto de terem mudado o nome do aeroporto, homenageando assim o grande Cristiano Ronaldo. Mas que a coisa deve ter provocado um “jinx”, lá isso... Senão repare-se nesta coisa dos ventos. Eu sei que as alterações climáticas são uma realidade. Eu sei que a mudança do eixo da pista aquando das obras que nos deram um maior, mais seguro e mais funcional aeroporto, teve a sua influência. Eu sei que os limites de vento, que já vêm do tempo da Maria Cachucha, não fazem sentido face à realidade tecnológica que hoje equipa os aviões. Eu sei dessas coisas todas, pois é lá que trabalho.

E porque o sei, não há como negar que desde que o aeroporto mudou de nome que os dias de inoperacionalidade por motivos atmosféricos aumentaram.

Isto de alterar o nome de uma Santa para o de um jogador de futebol devia, digo eu agora, ter sido acautelado com as devidas rezas.

É como dizem os “nuestros hermanos”: “yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

10. Paulo Cafôfo anunciou Ricardo Cabral com o seu rosto para as finanças. Ricardo Cabral é um opositor do CINM, tem urticária em relação a sistemas fiscais reduzidos, é estatista de primeira apanha.

Assim sendo era bom que rapidamente o Partido Socialista e o seu candidato esclareçam qual a sua posição em relação ao CINM e à criação de um sistema fiscal próprio que votaram favoravelmente na Assembleia Legislativa da Madeira na legislatura anterior.

11. Ser de esquerda é coisa que dá cá uma trabalheira. Não é para qualquer um. Se uma pessoa mais à direita como eu não tem problemas em cascar em cima de outros de direita que se comportem mal ou que defendam coisas abstrusas e tontas, um(a) tipo(a) (vamos ser inclusivos) de esquerda, se algum membro(a) da colectividade pisa na trampa, trata logo de arranjar e contar uma história que tudo vai justificar. Se for preciso e de escovilhão na mão lá vai rapar a porcaria da sola do sapato, porque a esquerda é impoluta.

Passa-se o mesmo com os governos. Se era o governo da Engenhoca de Passos/Portas caía “o Carmo e a Trindade” em relação a algumas medidas que agora, em tempos de Geringonça, são aceitáveis.

Para mim é igual. O que não prestava na Engenhoca e que me fartei de criticar, também não presta na Geringonça. Simples... E coerente!

12. “A democracia é um regime político de pessoas imperfeitas, de cidadãos com tentações e de gente humanamente vulnerável. Mas isso não é desculpa. Os governantes de hoje, que se portaram mal com as nomeações familiares, não podem ser ilibados porque os “outros fizeram o mesmo”. A maior virtude da democracia, além da igualdade de condição, consiste na possibilidade de corrigir e melhorar. De lutar contra a imperfeição. E de castigar quem se aproveita ou destrói a democracia.” – António Barreto in Público