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Nota 5 para os excecionais

Seria um excelente presente de natal ponderar pensar numa mudança educativa

São cada vez mais as crianças e jovens que desenvolvem níveis de ansiedade disfuncionais associados aos níveis de exigência da escola/família.

Um menino de 7 anos disse-me uma vez, em contexto de consulta, que tinha muitas saudades do tempo em que frequentava o infantário. Recordava os dias que os pais o iam buscar à escola e o tempo que tinham em conjunto para fazer coisas diferentes. Até em casa tudo era mais calmo, sublinhava ele, “agora é só gritos e tudo a correr”.

São também cada vez mais os pais que nos surgem ansiosos e desorientados com as chamadas de atenção constantes da escola em relação aos filhos nomeadamente em crianças e jovens com bons resultados escolares e comportamento aceitável, tendo em conta o ensino tradicional que se mantém.

Tudo isto faz-me lembrar uma professora do terceiro ciclo, de uma escola pública, que considerava que um aluno de nível 5 tinha de ser um “aluno excecional, em tudo”.

A escola é importante, mas não a coisa mais importante da vida. A família é muito mais do que a continuidade da escola e não pode nem deve permitir-se assumir esse papel. O modelo educativo atual, do primeiro ao terceiro ciclo, está, na maioria das situações, completamente desajustado.

Vivemos num tempo em que tudo se quer rápido e eficaz, onde os adultos conscientes das suas naturais fragilidades, muitas vezes a rondar a nota três menos, esperam dos mais novos resultados surpreendentes e completamente desajustados da realidade que lhes é oferecida.

Voltando ao “aluno excecional em tudo” para obter nota 5. Estes alunos, felizmente raros, e salvaguardando algumas exceções, não são crianças felizes. São crianças com mais facilidade em se adaptarem às exigências do sistema que se isentam de manifestar o seu desagrado por aquilo que as incomoda, perturba e adoece. Infelizmente o ensino continua a não querer entender a sua inadequabilidade e insiste em espalhar tensão no dia a dia das rotinas das crianças e das famílias com consequências graves na saúde mental de todos.

Uma jovem de 16 anos, considerada excecional pelos seus professores, disse-me uma vez, após ter tirado nota 20 à disciplina de matemática, que não se sentia feliz, apenas tinha tirado a nota para a qual se tinha preparado. Outros jovens, acompanhados igualmente em consulta por motivos relacionados com ansiedade e pressão escolar e familiar, referem que só sentem que cumpriram os objetivos quando atingem resultados entre o 17 e o 20.

Esta gente não aprendeu isto do nada, alguém lhes ensinou que ser bom é o tal cinco, o aluno excecional, forçando-os a perceber que tudo o que está à volta e não cumpre o padrão é medíocre e como tal vai ter um futuro pobre e triste. Será assim?

Afinal, criam-se turmas especiais para captar alunos com dificuldades de motivação e desempenho escolar, acrescentam-se os cursos profissionais, sublinha-se a importância das alternativas e continua-se com este discurso triste e pobre dos bons e dos maus.

Sendo que o governo regional pretende ser inovador e justo nas suas iniciativas e tomadas de posição, seria um excelente presente de natal ponderar pensar numa mudança educativa que esquecesse os alunos excecionais e se centrasse na valorização das diferenças, permitindo a cada um sentir-se integrado e valorizado nas suas competências individuais usando-as no contexto da aprendizagem. As pessoas iam ficar mais felizes e a região a médio prazo ia começar a poupar nas despesas com a educação, a saúde e a justiça.