Artigos

A boca de incêndio

No passado verão, um prédio localizado na zona histórica de Santa Maria, no Funchal, foi consumido pelo fogo. Encontrava-se ali instalada uma boca de incêndio. Era, apenas, figurativa. Não funcionava!

Para um comum mortal parece estranho. Como é possível a cidade dispor de uma rede de combate aos incêndios que não funciona quando mais é necessária?

Na reação ao sucedido, surgiram várias notícias de investimentos a concretizar pela Câmara Municipal do Funchal para dotar a cidade de bocas de incêndio capazes de cumprir a sua simples mas importante função. Afinal não estávamos seguros. Era tudo um faz de conta.

Este episódio é mais um, entre tantos outros que revelam bem a leviandade com que se gere o Funchal.

Tudo acontece em reação a qualquer coisa e sempre da mesma forma, recorrendo-se à propaganda, à comunicação instrumentalizada e à repetição, vezes sem conta, das iniciativas que se promete concretizar, sem que, no entanto, as mesmas aconteçam.

As árvores do Funchal foram vítimas de uma ira descontrolada que surgiu em consequência da não atuação atempada em relação ao carvalho do Largo da Fonte.

O encerramento de ruas no centro da cidade é motivo de hesitação permanente, assente num amadorismo atroz que recua, inevitavelmente, porque não se estudam os processos nem se ouvem as pessoas.

As zonas de estacionamento são subtraídas à cidade até que se percebe que sem elas, não há cidade e tenta-se novo recuo para o razoável que era, ao fim ao cabo, o ponto de partida.

Em frente à Loja do Cidadão anula-se o estacionamento de veículos automóveis ignorando a função daquele espaço e a necessidade urgente e premente de uma acessibilidade adequada, também, de pessoas com limitações de mobilidade, doentes ou mesmo dependentes do auxílio de terceiros. Revela-se, desta forma, uma profunda ignorância das relações que existem no seio da cidade e da importância da utilidade de determinadas funcionalidades que acontecem para facilitar a vida às pessoas.

Para agradar a ânsia do domínio do território, a CMF investiu dezenas de milhares de euros num cartão turístico que resultou em mais um enorme fiasco. Neste caso, um falhanço raro, quase único, nos destinos turísticos afirmados. A CMF esqueceu-se, do fundamental, ou seja, de envolver os parceiros adequados e revelou-se, mais uma vez, incapaz de gerir um processo que requer o consenso alargado da oferta do território.

As intervenções na cidade sucedem-se até que se conseguiu o mais difícil: tornar o Funchal numa cidade intransitável. Hoje, conduzir no Funchal é um desafio à paciência que revela bem o amadorismo das decisões e a impreparação de quem decide sobre matérias que dizendo respeito a todos, nunca têm em conta as necessidades da própria população.

Em nome dos arranjos urbanísticos arrasam-se ruas, despem-se espaços de árvores e torna-se tudo feio, inestético e impróprio à felicidade dos habitantes do Funchal.

Não há memória de uma gestão camarária tão desastrosa.

Com tristeza, assume-se um Funchal adiado para um futuro melhor, enquanto tantas outras cidades, mesmo sem a importância desta, se afirmam na concretização de projetos específicos virados para o bem-estar dos cidadãos, para o facilitar da vida das pessoas e para o apoio ao comércio em espaço urbano.

Hoje, as cidades abrem-se ao exterior, são palco de acontecimentos mundiais, atraem gente que procura a diferença, a experiência e o sentir do espaço, na sua essência.

Estamos a marcar passo, estamos a perder oportunidades de ouro.

O Funchal é hoje uma espécie de porta de frigorífico decorada com os imanes das ideias avulsas que se vai tirando daqui e dali, fazendo desta cidade um “show room” de cópias dissonantes, desenquadradas e sem relação com o espaço e que nada nos dizem respeito.

A gestão do Funchal foi reduzida a um meio para atingir outros fins, muito diverso da nobre função autarca e próximo daquilo que há de pior: o afagar do próprio ego.

Hoje, para nossa desgraça, impera, na CMF, a lógica da gestão daquela boca de incêndio – está lá mas não funciona.