Bispos do Funchal

Quis a vida que no seu decurso tivéssemos presente na nossa memória David Sousa, João Saraiva, Francisco Santana, Teodoro de Faria e António Carrilho: todos eles bispos da diocese do Funchal, de setembro de 1957 a fevereiro de 2019. E - em qualquer pesquisa histórica, jornalística ou académica - logo nos apercebemos da personalidade de cada um destes bispos, da sua vocação pastoral e do seu posicionamento político.

Agora, como algum dia teria de acontecer, surgiu o óbvio: alguém mais novo do que nós é o novo bispo da diocese do Funchal.

(Queira, então, Sua Eminência Reverendíssima Dom Nuno Brás receber da nossa parte as mais sinceras felicitações para a Vossa missão pastoral, mas não confunda, por favor, o paço episcopal com o lugar privilegiado do folguedo carnavalesco, das primeiras décadas do século passado, a Rua da Carreira, onde a partir de agora passa a residir).

E do nada se fez luz: um gesto de Nuno Brás marcará indelevelmente o seu ministério, que se inicia a partir de hoje. Colocar os beiços no chão da pista do aeroporto (não diremos beiçolas em sinal de respeito pela instituição que representa, por causa da fé dos nossos familiares, dos nossos vizinhos e de muitos concidadãos nossos amigos) nada representa. Sim, nada representa beijar a lêveda fuligem dos pneus dos aviões sobre a brita agreste, impregnada de alcatrão negro. Nada mais do que isso mesmo, sem qualquer sentido outro: como a lágrima de preta de António Gedeão; além da materialidade da coisa - nada haveria para significar. Neste caso, tão só e apenas: sujidade! Que por acaso rima com imbecilidade (a desconsideração das segundas figuras, aquando o gesto do prócere dignitário revelada pela fotografia do DN, é bem elucidativa).

O currículo do novo bispo da diocese do Funchal atesta saber e competência; estamos inteirados, por isso, quanto ao gesto político de Nuno Brás ao aterrar em Santa Cruz, vindo de Lisboa. Que não se atraiçoe nem se deturpe o gesto singular de João Paulo II (homem que fazia da sua fé e do seu patriotismo as armas prediletas contra o comunismo e o imperialismo soviéticos). E, para tal, convém termos presente a sua viagem a Timor: João Paulo II, seguindo os ditames da realpolitik, contrariou os desejos legítimos dos infortunados timorenses. Ao não beijar o solo timorense, negou a sua anuência à luta armada e afastou, em todos os seus gestos, simbólicos ou não, toda e qualquer veleidade de Timor poder vir a constituir-se como nação.

Dito isto, convém lembrar que Madeira é muito mais do que 54 freguesias pacificadas e um sítio desavindo por causa do seu pároco. Só a jaez de um pensamento como este poderia derivar um gesto beiçolas assim (no nosso regionalismo beiçolas significa asno, alguém que pretende agradar os poderosos sem qualquer razão aparente). É caso para dizer: senhor bispo, não seja beiçolas! Deixe-se de brincadeiras de mau gosto. Não brinque com coisas sérias. Não desenterre mortos. Deixe em paz a alma dos que morreram por causa das bombas da FLAMA (seja o nosso colega, que morreu no Porto Santo a manusear petardo, seja Júlio Esmeraldo, que apareceu morto nas serras de Santana, cuja certidão de óbito não apresenta a causa da morte, os dois ligados a atos terroristas, por exemplo). Deixe os separatistas de meia tijela à vontade. Deixe-os preparar a sua derrota eleitoral lá para setembro.

Por favor, alevante-se do chão! Não se curve nem se ajoelhe perante a mesquinhez e a intolerância: os madeirenses agradecem!