Instinto maternal
Está a acabar, a chegar ao fim, a finar-se, prestes a deixar-nos, quase a ir de férias, umas férias prolongadas de 10 meses, porque sim, há esse período longo de recolhimento, ou de defeso como soe dizer-se em linguagem futebolística, para poder recuperar e dar lugar a coisas mais importantes e menos estúpidas (que sempre estarão presentes, mas de uma forma mais “inteligente”), enfim abandona-nos a dita “silly season” para dar lugar à enorme miríade de comentadores e de auto intitulados influencers (que como sabemos, só existem porque há miríades de “estupiders” para quem a “silly season” é o ano todo!) que tentarão demonstrar sapiência aquela o mais superficial possível porque aquela coisa de pensar um pouco mais fundo do que a superfície que pisam diariamente dá trabalho e não rende “likes”, que são aqueles polegares para cima que medem a quantidade de “estupiders” que fazem com que os “influencers” possam continuar a debitar bitaites o mais disparatados possível, mesmo fora da estação própria para o disparate e a tontice.
Este ano a dita estação “silly” não fugiu à regra, tantos foram os disparates disparados ao ritmo de uma metralhadora que nos atingiram diariamente, sem descanso nem contemplação pela estação que deveria ser de descanso e férias. Vale que, em período de férias e descanso, a tontice passa ao lado, um pouco como água em pena de pato, ou melhor, como água que resvala pelas peles besuntadas de protector solar porque não vá o diabo tecê-las (e tece-as às vezes, o dito) e que deixa a camada superficial da epiderme oleosa e cheirosa semelhante à camada impermeabilizante que protege as aves nadadoras.
Foram muitos os disparates que não dão hipótese de comentar um ou outro em escolha aleatória, sob pena de se encandearem de tal forma sem deixar qualquer espaço para outra qualquer reflexão com cabimento na nova estação de coisas mais sérias que ora se inicia.
Na realidade os disparates vão ser mais ou menos os mesmos, mas ditos de uma forma mais séria, mais formal, já sem aquela informalidade da roupa ligeira, tipo polo e calções, com sapatinho de vela a condizer, mas ditas já com gravata a condizer, com o pescoço apertado pelo aumento de volumetria corporal post período estival, enquanto os patrocinadores não fornecem uma camisa com o número acima, enquanto o ginásio não cumpre o seu papel de adelgaçar os quilinhos que a praia acrescentou.
Vamos a coisas sérias então, ou menos “sillys” se assim o quisermos. O que escrevi acima, acerca dos “influencers” e dos seus respectivos “estupiders”, leva-nos a pensar no advento exponencial da Inteligência Artificial. Há muita gente a utilizar a IA para produzir conteúdos (mais uma coisa da área do ditos influenciadores, que sub-repticiamente vão alterando o seu estatuto para “produtores de conteúdos digitais”, isto é, dizem os disparates baseados em “chatbots”, que são os sistemas de inteligência artificial que geram conversas automatizadas, através de textos e roteiros pré-definidos, entre sistema e consumidores).
Geoffrey Hinton, o “padrinho” da Inteligência Artificial, Prémio Nobel da Física em 2024, a uma pergunta sobre o que pensava acerca da possibilidade (10 a 20%) de a Inteligência Artificial varrer a humanidade da face da Terra, disse que sim, que achava ser possível. E disse que se não formos capazes de imaginar uma solução de como nos mantermos por cá quando as “máquinas” de IA, muito mais poderosas do que nós tiverem a capacidade de nos subjugar, seremos varridos sem qualquer dúvida. Os grandes especialistas da IA crêem que nos próximos 5 a 20 anos a IA será muito mais poderosa do que a mente humana, deixando-nos numa posição de subalternidade em relação à sua superioridade.
Para evitar isso, pensa Geoffrey Hinton que uma solução passaria por inculcar-lhes o chamado “instinto maternal” para connosco humanos.
E dá o exemplo, o mais conhecido de todos, de os mais espertos serem controlados por outros sem as mesmas capacidades: a mãe ser controlada pelo seu bebé. Para contornar isso, a evolução criou o que se chama comummente o “instinto maternal”. A Mãe Natureza na sua evolução criou o melhor exemplo de amor incondicional, para o qual não houve intervenções rápidas, antes pelo contrário, foi fruto de uma evolução lenta, de muito conhecimento empírico, de muita empatia, de muita gentileza, de muito saber acumulado ao longo de gerações e gerações, que conhecemos sob o nome de instinto maternal.
O amor é um sentimento de afeição intensa que leva alguém a querer o que considera bonito, digno, esplendoroso. Ninguém olha para uma pintura de que gosta e passa adiante quase sem admirar, não, pára, olha, contempla, deleita-se com a beleza que para si é a mais bela que o mundo pode ter.
O amor é um afecto que faz uma pessoa querer estar com outra, protegendo, cuidando, querendo conservar a sua companhia: quem cuida e protege não a quer expor a situações que podem ser potencialmente constrangedoras.
É muito importante lembrar que historicamente as mulheres não exerciam ou ao menos não apresentavam este tão sonhado e falado instinto materno. Por exemplo, antigamente as mulheres quase não amamentavam os seus bebês, eram as amas que tinham tal função. Assim como as mães não participavam das funções de necessidades básicas e afetivas também como: ninar, brincar, ensinar primeiros passos.... Tudo isso era repassado às cuidadoras. Mesmo uma mãe de família, mais pobre e que não tinha uma cuidadora, não prolongava ou acatava tais cuidados também. As crianças eram entregues à sorte ou cuidados de outros irmãos. Era muito comum terem muitos filhos, pois muitos morriam e era preciso gente na família para ajudar no sustento e na lavoura.
As mudanças só começaram a ocorrer no século XIX, que com revoluções e guerras ocorrendo pelo mundo, as mulheres passaram a ter que ficar em casa e então foram obrigadas a cuidar de seus filhos. Despreparadas e forçadas a tal função, apresentavam cuidados, ou falta deles, em atitudes grosseiras e bruscas, o que nos leva a pensar que essas mães não pareciam possuir instintos maternos afetivos.
Tal obrigação e aprimoramento nos cuidados com os filhos, passou a ter peso social e era estimulado pelo governo, que preocupado em manter sua população (devido a guerras) precisava que as crianças passassem a sobreviver e, por exemplo, iniciou campanhas sobre a importância da amamentação.
Historicamente o instinto afetivo das mães não é percebido na maioria delas.
A ideia de que os computadores podem ter “instintos”, ou de aproveitarem eventuais erros de programação não é recente. Alan Turing, talvez o verdadeiro “descobridor” da Inteligência Artificial, já nos idos anos 40 e início dos anos 50 do Século XX, durante e no pós II Guerra Mundial, postulava que a sua Máquina de Computação era capaz de “aprender” e reconhecer uma alteração pontual, involuntária, ao correr do programa, e aceitar essa alteração desde que fosse “entendida” como benéfica para o trabalho desenvolvido, e chamou a esta capacidade de Inteligência Artificial. Como vemos este conceito não é recente, já foi muito estudado e amadurecido e, mesmo não se sabendo ainda como fazer, é um facto que os humanos terão de se inventar para poderem ser olhados com empatia pelas criaturas que estão criando e que nos podem varrer sem qualquer sentimento de remorso.
E aí não haverá qualquer “influencer” a influenciar qualquer “estupider” porque já não existirão nem uns nem outros…