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Crónicas

O bom, o mau e a bengala

No Chega, o rosto do chefe é a bengala que sustenta candidatos cambados

Fátima Aveiro regressou ao corredor das promoções eleitorais. A candidata-merceeira à Câmara do Funchal prometeu devolver aos funchalenses mais do que 5% do IRS municipal. Na ânsia de encher o carrinho de votos, esqueceu-se que a Câmara já devolve os 5% e que a lei não permite devolver mais. Apesar da ingenuidade do lapso, até os candidatos têm direito a errar. Resta saber se o erro foi genuíno ou se a candidata faz política como quem escreve um folheto de supermercado: tudo em saldo, mesmo quando não há stock. É que se no Funchal se devolve 5% do IRS, quem vive em Santa Cruz só tem direito a 1%.

O bom: Reconhecimento da Palestina

Na mesma semana em que a França, o Reino Unido e Portugal se juntaram a mais de 150 países no reconhecimento ao Estado da Palestina, a Autoridade Palestina foi impedida, pela Administração Trump, de entrar na Assembleia-Geral da ONU. A contradição diz tanto sobre o simbolismo do reconhecimento da Palestina como sobre a decadência das Nações Unidas. Os mais céticos dirão que o reconhecimento é uma fuga a medidas mais concretas, outros, mais pessimistas, encontrarão nele uma vitória velada do radicalismo do Hamas. Todos concordarão que, no inferno de Gaza, o reconhecimento pouco muda. A guerra não deixará de ser quotidiana. A fome continuará a ser o dia-a-dia. O radicalismo, do Hamas e de Netanyahu, continuará rei e senhor da faixa. É assim a diplomacia internacional: lenta, frágil e, por vezes, inconsequente. Mas há, nas entrelinhas do reconhecimento do estado palestiniano, um caminho que persiste. O governo de Israel está cada vez mais isolado no plano internacional. Netanyahu é perseguido pelo Tribunal Penal Internacional. A Autoridade Palestiniana, e não o Hamas, sai reforçada como único poder legítimo e representante do povo da Palestina. No meio dos escombros, continua a resistir a ideia de que dois povos podem partilhar a mesma terra sem que a dividam em sangue. A solução de dois Estados - Palestina e Israel - continua a ser a única e última esperança de transformar a tragédia em futuro.

O mau: Dinarte Fernandes

Faltou a um. Tomou-lhe o gosto e não apareceu ao segundo. Dinarte Fernandes, presidente e candidato do CDS à Câmara de Santana, recusou participar em dois debates eleitorais, onde teria que enfrentar os candidatos adversários. De Santana não chegou desculpa, nem justificação, mas a ausência despudorada sinaliza, à partida, de onde e ao que vem Dinarte Fernandes. Sejamos politicamente honestos: qualquer presidente que se candidate a um terceiro mandato autárquico corre o sério risco de ser vencedor. Dinarte Fernandes não é exceção à regra. Mas a condição de provável vencedor, em vez de criar responsabilidade acrescida no candidato-presidente, suscitou-lhe a pequena manhosice da fuga ao debate. A lógica é simples: se Dinarte Fernandes já se julga vencedor, para quê arriscar-se num debate que só lhe pode correr mal? À luz da pequena matemática eleitoral, a opção é acertada. Como sinal político para Santana, é um retrato sombrio dos próximos 4 anos. Um presidente que se furta ao debate antes das eleições, é um presidente que, depois de eleito, ouvirá pouco e falará ainda menos. Não é apenas o calculismo político que a ausência revela, mas a arrogância de quem já não se julga devedor de explicações ao povo que pretende governar. Talvez seja a mesma arrogância sonsa que explica por que razão Santana é o único concelho da Madeira - a par de São Vicente - onde o JPP não apresenta uma candidatura autárquica. É que quem se julga impune para faltar a dois debates, também se julga esperto o suficiente para montar um arranjinho destes.

A bengala: André Ventura

Da Avenida do Mar à Avenida da Liberdade. De Viana do Castelo até à ponta de Sagres. Ventura é omnipresente nos cartazes autárquicos do Chega, mas ausente no boletim. Não é candidato a nada, mas empresta a cara a tudo. O empréstimo é sintomático. No Chega, o rosto do chefe é a bengala que sustenta candidatos cambados e sem nome. É o andarilho que ampara a indigência política que se arrasta de partido em partido. Em cada cartaz, Ventura promete presença, mas, na urna, e nos próximos 4 anos de cada município, oferece apenas ausência. No Funchal não é diferente. Com poucas ideias para a cidade, o Chega dedica-se à arte de transformar a imigração em tema autárquico, impingindo casas de massagem asiáticas como flagelo municipal. A criatividade termina aí. Depois, sobra apenas a repetição. A cara de Ventura repetida em todo o material de campanha. O mesmo slogan para prometer casas e para denunciar casas de massagem. Até os nomes dos candidatos são repetidos. Na candidatura do Chega ao município do Funchal, a maioria dos candidatos faz o pleno – são candidatos à câmara, à junta e à assembleia municipal. São, na verdade, figurantes de Ventura. Copiam-lhe o tom, imitam-lhe os gestos e repetem-lhe os chavões. Não ambicionam governar. Na melhor das hipóteses, almejam colecionar votos por imitação. São soldados de papel, apresentados em triplicado.