A vida humana vale menos que a de um animal?
Esta semana, no Parlamento Regional, foi discutida a proposta do JPP de criar um Provedor do Utente no Serviço Regional de Saúde. O objetivo era criar o cargo de um representante, dentro do Serviço Regional de Saúde, aos quais os doentes e os utentes poderiam recorrer na defesa dos seus direitos e apresentar as suas reclamações quanto ao tratamento dado ou atrasos existentes para a resolução dos seus problemas de saúde e/ou dos seus familiares.
O PSD-Madeira e o CDS chumbaram a proposta do JPP e o deputado da Iniciativa Liberal e os deputados do Chega abstiveram-se. Só votaram a favor os deputados do JPP e do PS.
As votações são representativas dos jogos políticos de cada partido político. Porque se abstiveram a Iniciativa Liberal e o Chega? Será porque querem garantir futuros acordos políticos? Será que esta ideia era assim tão má?
Mas se esta ideia é assim tão má e tão descabida, porque foi constituída a Provedoria do Animal? Creio que todos somos contra os maus-tratos de animais. Aliás, nunca percebi o porquê da criação de um partido específico para a defesa dos animais e a natureza quando qualquer partido que se preze deveria ter na base dos seus valores a defesa de todo o ecossistema.
Parece que caminhamos para uma subversão perigosa de valores. Acho que todos nós nos deveríamos estar a perguntar como é que um animal tem direito a uma Provedoria do Animal e nós - seres humanos - não temos direito a um Provedor do Utente?
É preciso ter humor na política e permitam-me escrever uma piada: Se calhar o PSD-Madeira e o CDS (e talvez a Iniciativa Liberal e o Chega) consideram desnecessário um Provedor do Utente porque sempre podemos apresentar as nossas questões de saúde à Provedoria do Animal? Afinal todos os seres humanos são animais com a diferença de sermos racionais. Apesar de sobre a racionalidade ter algumas dúvidas da capacidade de alguns.
Falemos sério agora. É fundamental questionarmo-nos sobre a pertinência desta proposta. Quantas pessoas conhecemos que aguardam por cirurgias? Será que o tempo de espera determina a deterioração do seu estado de saúde? Será que o tempo de espera pode comprometer no futuro a qualidade de vida? Por exemplo, uma pessoa que espera por uma cirurgia à anca por 4 anos pode ficar a mancar para o resto da vida após a cirurgia quando a fizer? Pode este facto impedi-la de voltar a ter uma vida normal? Quantos esperam por exames determinantes para a análise clínica do tratamento a prescrever? Será que este atraso pode levar ao agravamento da doença, sendo mais difícil o tratamento e a cura? Nem todos têm capacidade financeira para o pagamento de exames. Quantos cortam na comida ou na medicação para poderem ter dinheiro para fazerem alguns exames? O tempo de espera pode aumentar a probabilidade de morte? Poderia um Provedor do Utente ser um interlocutor para a resolução dos casos pendentes?
E qual o andamento dado às reclamações dos utentes no Sistema Regional de Saúde? Não se dariam mais garantias de isenção de resposta das situações apresentadas com um Provedor do Utente? Não seria esta uma forma de maior controlo do estado da saúde na Região? Porventura não permitiria a resolução mais célere de alguns erros do sistema?
Erro haverá sempre. A arte de bem governar e gerir o bem público assenta no princípio de corrigir o mais rapidamente possível o erro detetado. A melhor forma de detetar erros é com sistemas de controlo que deem alertas que permitam a correção imediata do erro. E neste tipo de problemas na área da saúde, a correção atempada é a chave da melhoria da saúde nas pessoas.
Nem todas as propostas da oposição são más e se houvesse uma preocupação genuína de boa governação e de cuidado com as pessoas, não haveria esta atitude de “Quem não é comigo é contra mim”.
Não podemos voltar a uma maioria absoluta cujo lema de governação é “Quero, posso e mando”. Este é o perigo das maiorias absolutas que em vez de usarem o poder para implementar as medidas necessárias à governação desenvolvem o que em ciência política se classifica de atitude tirana.
As eleições autárquicas estão à porta e teremos de escolher quem governará as nossas juntas de freguesia e câmaras municipais com lisura. Precisamos pensar bem quem tem capacidade de diálogo e quem apresenta características pessoais de resolução de problemas sem diferenciação de cor política. Quem tem capacidade para resolver problemas sem discriminação e verdadeiramente se preocupa com as pessoas.