A escalada da violência interpela a justiça e a comunidade
O Código Penal tem consagrado no seu texto a proteção de bens jurídicos fundamentais como a vida, a integridade física, a liberdade e a autodeterminação sexual. A tutela destes valores edifica a base da convivência social e da dignidade humana.
Nos últimos anos, a Madeira tem assistido a um galopar dos crimes contra as pessoas. A violência doméstica continua a ser o crime mais denunciado, e os casos que chegam aos tribunais revelam igualmente um aumento de agressões, ameaças e até tentativas de homicídio. A perceção de insegurança, amplificada pela mediatização de episódios violentos nas redes sociais, fomenta nos madeirenses, respostas firmes da justiça dentro dos limites constitucionais e processuais que asseguram simultaneamente a proteção das vítimas e as garantias de defesa dos arguidos.
Exemplo paradigmático foi o caso recente em Machico, em que o Arguido foi mantido em prisão preventiva, no âmbito de um crime de violência doméstica especialmente grave. A prisão preventiva, prevista nos artigos 202.º e seguintes do Código de Processo Penal, é uma medida excecional, apenas admissível quando se verificam fortes indícios da prática do crime e perigos concretos de fuga, de continuação da atividade criminosa ou de perturbação do inquérito. Esta decisão de manter o arguido privado da liberdade evidencia a ponderação do tribunal entre a gravidade da conduta, a necessidade de salvaguardar a vítima e a pressão social.
Outra dimensão jurídica relevante e que tem sido muito debatida entre os entendidos, prende-se com a admissibilidade de meios de prova, designadamente as gravações de videovigilância. O art. 126.º do Código de Processo Penal consagra a regra da proibição das provas obtidas por meios ilícitos. Todavia, a jurisprudência do Supremo tem vindo a admitir, em determinados casos de violência doméstica, a utilização de gravações não autorizadas quando está em causa a defesa de direitos fundamentais como a vida e a integridade física. A tensão entre legalidade processual e proteção da vítima merece debate, sobretudo quando a perceção pública de impunidade ameaça a confiança no sistema judicial.
Não podemos, contudo, reduzir a questão ao plano repressivo. O aumento deste tipo de crimes obriga também a pensar em políticas públicas de prevenção. A violência tem raízes sociais e culturais que não se resolvem apenas com tribunais ou prisões. O apoio às vítimas, a intervenção junto dos agressores e a educação para a não violência são dimensões indispensáveis para responder a esta crise. A Madeira, que sempre se orgulhou de índices de criminalidade relativamente baixos em comparação com outras regiões do país e da Europa, não pode fechar os olhos a este crescendo de violência que fere a tranquilidade pública e familiar.
O Direito Penal é a última ratio, mas é também um reflexo das escolhas coletivas sobre o que merece tutela máxima. A escalada dos crimes contra as pessoas na Região é um sinal de alarme que exige tanto firmeza na aplicação da lei como investimento na prevenção. A justiça tem dado sinais claros de não tolerar a violência doméstica e as agressões graves; agora, cabe à sociedade no seu conjunto assumir que a segurança e a dignidade humana são bens irrenunciáveis.