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Análise

A epidemia silenciosa e o ruído eleitoral

1. Os mais recentes dados do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) não deixam margem para ilusões: os jovens madeirenses são, em todo o País, os que mais aumentaram o tempo passado on-line e os que mais intensificaram o consumo combinado de drogas e álcool. Uma conclusão alarmante que não pode ser varrida para debaixo do tapete, pois encerra riscos sérios para a saúde individual e colectiva, colocando em causa a coesão social e familiar.

Numa semana em que 40 mil alunos regressaram às escolas da Região, o tema do uso dos telemóveis nos estabelecimentos de ensino volta naturalmente à ordem do dia. Muitos pais e professores reconhecem que tudo parece resumir-se a uma questão de bom-senso, mas o problema é que o bom-senso tem faltado. Em demasiadas famílias, os adultos dão o pior dos exemplos: depois de longas jornadas de trabalho, no pouco tempo que lhes resta para o convívio familiar, refugiam-se no ecrã do telemóvel, em vez de promoverem a conversa directa com os filhos. Basta entrar em qualquer restaurante e observar: mesas inteiras onde cada elemento se encontra mergulhado no seu pequeno mundo digital, isolado dos demais. Uma prática que a ciência confirma ser nociva, fomentando dependências sempre prejudiciais ao crescimento equilibrado das crianças.

A questão é inevitável: devem os telemóveis ser permitidos nas escolas? Perante a evidência acumulada, a resposta parece óbvia. Até ao 6.º ano, pelo menos, e talvez até ao 9.º, a proibição deveria ser regra. Não se trata de capricho, mas de medida necessária para fomentar a socialização, a criatividade e a realização de actividades próprias da infância e da adolescência. O argumento é simples: enquanto uns se concentram na aprendizagem e no convívio saudável, outros distraem-se em ambientes virtuais que, tantas vezes, abrem a porta a problemas graves de adição.

Os números são claros e não permitem ilusões. O consumo excessivo da Internet traduz-se, mais tarde, em consequências sérias ao nível da saúde mental. E este é outro flagelo que se alastra pela Região. As casas de saúde estão lotadas. O número de psiquiatras no sector público é insuficiente para a avalanche de pedidos. Só em 2024, o Serviço de Psiquiatria do SESARAM realizou 15.245 consultas, terminando o ano com 367 doentes em lista de espera, mais 117% do que em 2023. Promete-se a contratação de dois médicos, mas a carência nacional de especialistas faz com que o problema continue a arrastar-se. Ora, se aumentam os internamentos e se multiplicam os pedidos de ajuda, não será tempo de atribuir prioridade efectiva a esta área? A saúde mental continua a carregar o peso do estigma, mas não há sociedade saudável quando este domínio é negligenciado.

2. Se o primeiro grande desafio da Madeira é proteger os seus jovens e cuidar da saúde mental, o segundo não anda muito longe: exige-se maior seriedade política! Estamos a menos de um mês das Eleições Autárquicas, momento fundamental da democracia local, mas o que se vê é um desfile de promessas avulsas, muitas vezes fora do âmbito municipal. Há candidatos que intervêm em áreas onde não têm qualquer competência legal, desviando o debate dos verdadeiros problemas que assolam os onze concelhos da Região. Outros apresentam candidaturas cujo propósito não é governar, mas confundir, baralhar dados, semear ruído e colher visibilidade através das redes sociais.

É um espectáculo que pouco contribui para a clarificação das escolhas dos eleitores, já de si cansados do ciclo eleitoral permanente. O cidadão, porém, não se pode desligar: deve manter vigilância crítica, sob pena de entregar o poder a quem mais sabe agitar as águas e menos sabe gerir a coisa pública.

E há ainda episódios que envergonham a democracia. O caso mais recente fala por si: quando o líder do segundo partido mais votado confunde um encontro respeitoso de cidadãos na Alemanha, onde esteve presente, por convitem, o próprio Presidente da República, com um festival de hambúrgueres, fica demonstrada a leveza com que parte da classe política encara o regime. Que sinal é dado às novas gerações, já frágeis e vulneráveis, quando quem devia dar o exemplo degrada assim o espaço público?

Chega de políticos que tratam a democracia como palco para ‘likes’ e palminhas digitais. Merecemos mais, com líderes que não brinquem com a verdade.