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Desgosto

Não se vislumbra nada de novo, nem de bom, e, para já, os arraiais enchem a alma de festa

Agosto chegou e, com ele, a confirmação do óbvio: a Madeira atingiu o grau -1 da política e aceitou viver em simulacro de democracia permanente. É isso que as autárquicas confirmarão: que teremos eleições a fingir em grande parte dos concelhos.

Quando, durante 40 anos, se criticou o regime erguido por Alberto João Jardim e a asfixia democrática que promoveu, ninguém ousou pensar que, depois dele, viria pior ainda – mas veio, e muito pior. Afinal, era possível. Afinal, era possível descer mais baixo. Afinal, aconteceu – e já não sobressalta ninguém.

Apesar de tudo, a Madeira de Alberto João Jardim teve um mérito: gerou resistência – quando não partidária, pelo menos económica e mediática, oriunda da sociedade civil. Por vezes, enfrentou oposição política – e, no final, Jardim perdeu mesmo. Infelizmente, tudo isso é passado e uma miragem no futuro próximo.

Depois de tudo o que aconteceu envolvendo o Governo Regional desde 2023, com acusações que nos deviam envergonhar e embaraçar a todos, que confirmaram o que todos sabemos ser prática corrente de um regime podre, que se agarrou a tudo o que tinha e não tinha para sobreviver às eleições de 2019, eis que as eleições autárquicas confirmam que, afinal, era possível descer mais baixo ainda.

No Funchal, o candidato à Câmara capitulou, para voltar a ser candidato à Assembleia Municipal, como se fosse tudo normal. Sem alternativa sólida e evidente, ausente por falta de visão estratégica de uma oposição espartilhada, o PSD dá-se ao luxo de abandonar presidentes e candidatos como se nada fosse. Em Câmara de Lobos, o principal candidato ao poder ameaçou, ameaçou, ameaçou e lá vingou. Na Ribeira Brava, uma guerra fratricida entre dois candidatos do mesmo partido acabou em casamento. Na Ponta do Sol, há irmandades fraternas entre rivais internos que agora aparecem como números 1 e 2 da mesma lista. Na Calheta, dividiu-se o poder entre os predestinados para a Câmara e os renegados para o Governo. Em São Vicente, substituíram o candidato por outro com uma coluna tão plástica que um dia é do PSD, noutro do PS e noutro do PSD de novo. Em Santa Cruz, entre poder e oposição, todos avançaram, recuaram e trocaram nomes. No Porto Santo, quem manda não vai a votos e quem vai não manda nada. Foi para este estado que o PSD empurrou a Região.

A tudo isto a oposição assiste como os madeirenses: sem capacidade de reação. De braços baixos, como se já nada fosse possível fazer para travar o poder – e se calhar não é, nas condições a que se viu renegada, empurrada para a morte lenta por lideranças inexistentes.

É agosto e os madeirenses vão a banhos. Depois, regressam em setembro, à normalidade de sempre. Pelo meio, há candidaturas autárquicas para apresentar – mas quais? Ninguém sabe bem, porque não se vislumbra nada de novo, nem de bom, e, para já, os arraiais enchem a alma de festa.

O regime e o pseudo-contra-regime já dão para tudo: o possível e o que julgamos impossível – até vermos acontecer. E acontece! Acontece sempre! Dão literalmente para tudo, numa terra sem lei, nem rei, nem roque, onde nada de bom resiste, a habitação escasseia, os preços escaldam e os esquemas como os dos AL ilegais proliferam. No final, ganham e perdem os de sempre – na política, nos partidos, na nossa vida coletiva e individual. No final, bem vistas as coisas perdemos todos, neste agosto que nos confirma o desgosto.