Podemos ter quantos animais de estimação quisermos dentro de casa?
A posse de animais de estimação em casa levanta questões de saúde pública, bem-estar animal e convivência com os vizinhos.
A rubrica 'Fact Check' do DIÁRIO abordou ontem o ruído dos animais no período nocturno. A publicação gerou centenas de reacções, entre elas uma leitora alertava para a importância de salvaguardar as devidas condições aos animais de estimação, denunciando que "existem zonas habitacionais que mais parecem canis, ou seja, blocos de apartamentos e moradias que coleccionam animais".
Existe legislação para regular os ruídos provocados por animais durante a noite?
Cães a ladrar ou os gatos a miar durante a noite pode ser incomodativo e em casos extremos levar os vizinhos a ‘perder a cabeça’. Apesar de ser algo involuntário, pode também ser difícil de controlar.
O comentário é o mote para o 'Fact Check' de hoje, no qual verificamos se existe um limite ao número de animais de estimação em Portugal.
A legislação portuguesa define claramente o que se entende por animal de companhia. De acordo com o Artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 276/2001, trata-se de qualquer animal detido pelo ser humano com fins de entretenimento ou companhia, no ambiente doméstico. Entre os animais de companhia mais comuns e permitidos em Portugal, encontram-se cães, gatos, furões, pequenos mamíferos, tais como coelhos e hamsters, aves ornamentais, peixes, répteis e alguns animais exóticos de pequeno porte.
A lei consagra no Artigo 6.ª do Capítulo II do Decreto-Lei n.º 276/2001 o dever especial dos tutores de cuidar, vigiar e de garantir o bem-estar dos seus animais, assegurando que estes não ponham em risco outras pessoas, outros animais ou o ambiente. O Decreto-Lei n.º 82/2019 reforça a responsabilização ao impor a obrigatoriedade de identificação e de registo de cães, gatos e furões no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC).
O bem-estar dos animais não se limita à alimentação ou aos cuidados médicos. A legislação exige também que o espaço onde vivem seja adequado às necessidades fisiológicas e comportamentais de cada espécie. Entre as condições exigidas, destaca-se a obrigatoriedade de permitir:
- Exercício físico regular adequado;
- Refúgios para animais sujeitos a agressões por parte de outros;
- Esconderijos para garantir a protecção em momentos de stress ou vulnerabilidade;
- Alojamentos adequados para fêmeas em gestação, incubação ou com crias, respeitando a sua função reprodutiva em condições de bem-estar;
- Instalações seguras, sem objectos ou estruturas que representem risco;
- A existência de equipamentos e materiais que estimulem comportamentos naturais, como substratos, camas, ninhos, ramos, buracos ou zonas de banho.
Além disso, está previsto que os alojamentos devem assegurar que os animais não constituam qualquer risco para a saúde, nem para a segurança de pessoas, outros animais ou bens.
Mas afinal, existe um limite ao número de animais que se pode ter em casa?
O Decreto-Lei n.º 314/2003 determina que "o alojamento de cães e gatos em prédios urbanos, rústicos ou mistos, fica sempre condicionado à existência de boas condições do mesmo e ausência de riscos hígio-sanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem".
Nos prédios urbanos, cada habitação pode alojar até três cães ou quatro gatos adultos, sendo o número total de animais limitado a quatro. Excepcionalmente, o limite pode ser alargado até seis animais adultos, mas apenas mediante autorização expressa do delegado de saúde e do médico veterinário municipal, e desde que estejam reunidas todas as condições de higiene, salubridade e bem-estar exigidas por lei.
Já em prédios rústicos ou mistos, o número pode ir até seis animais adultos sem necessidade de parecer, podendo o limite ser excedido se a dimensão do terreno e as condições do local o permitirem.
Em prédios em propriedade horizontal (apartamentos), o regulamento do condomínio pode impor regras mais restritivas, nomeadamente quanto ao número de animais por fracção, desde que aprovadas em assembleia de condomínio.
Em caso de incumprimento, os serviços municipais, com base em vistoria conjunta do delegado de saúde e do veterinário municipal, podem notificar o tutor a reduzir o número de animais no prazo definido. Caso a ordem não seja cumprida, a câmara municipal pode solicitar a emissão de um mandado judicial para aceder ao local e proceder à remoção dos animais, que podem ser encaminhados para canis/gatis municipais ou para outra solução legalmente adequada.
Em suma, a legislação portuguesa estabelece limites objectivos à detenção de animais de companhia. Os limites visam precisamente evitar situações de insalubridade, incómodo à vizinhança ou risco para a saúde pública, garantindo simultaneamente o bem-estar dos próprios animais.
Embora a denúncia da leitora sobre "zonas habitacionais que mais parecem canis" possa ser real, tal situação é ilegal já que os moradores não podem ter um número ilimitado de animais. Nesse caso, é recomendada uma denúncia formal junto da câmara municipal da área de residência.