Histórias que só a História contará
Umas sim, outras não.
Sem as histórias do dia-a-dia não se faria História - algumas histórias farão a sua narrativa na História que fica para a posteridade, outras não, mas todas são importantes para o legado, para a pegada que deixamos seja justa por quem as habitou e viveu.
James Hacker, fictício Primeiro-Ministro do Reino Unido na série humorística britânica de 1984, dizia acerca dos MP’s (MP = Member of Parliament), em tom de conversa fiada e despreocupada, respondendo a uma questão sobre os honorários dos mesmos, que até seriam mal pagos: “mal pagos? Ser MP é uma enorme viagem aos egos. É um emprego para o qual não é necessária qualquer qualificação, não têm horários a cumprir à risca não são necessários ‘standards’ de boa performance, têm refeições altamente subsidiadas, formam um grupo com enorme autorreconhecimento pessoal com palavras que o vento leva facilmente, tentando que as pessoas os levem a sério só porque têm a sigla MP adjacente ao nome próprio! Como podem ser mal pagos quando há cerca de 200 candidatos para cada vaga…”
Eram coisas que se diziam há 40 anos e era assim que o humor britânico “via” os seus MP’s e, que haja conhecimento, a História não registou qualquer ataque súbito de acne como aquele que alegadamente assolou uns querubínicos cantores cá do burgo nacional
(abro aqui um parentese – acne é provavelmente a doença de pele mais comum, afectando uma larga maioria da população em qualquer momento da sua vida, mas as faixas etárias mais afectadas situam-se entre os 10 e os 24 anos, ou seja, é um problema muito frequente durante a adolescência e pode ter um efeito psicológico muito importante que pode conduzir ao afastamento social ou à depressão. Isto é, é causa e não consequência da depressão, como querem fazer crer uns querubins e valer-se disso para sacar umas massas a que faz humor, fecho parentese).
Claro que isto são laivos de humor passados num reino distante do nosso quintal onde tal desplante é muitas vezes levado às últimas consequências e só “dizível” em alturas das férias concomitantes com a “silly season” aquela época do ano em que a asneira substitui a conversa mais séria dos corredores do poder.
Nos últimos tempos têm vindo à baila histórias associando relações dúbias entre figuras em lugares públicos com figuras em lugares privados, correlacionando eventual oferta de dinheiro ou bem a alguém em troca de favor ou negócio lucrativo (se formos ao dicionário, tal descrição remete à palavra suborno, acrescentando a frase “geralmente ilícito”, mas eu direi que até pode ser lícito, entrando aqui um outro conceito, o da ética e da moral!) Um suborno é o oferecimento, ou a promessa de pagar a uma autoridade (seja funcionário público ou da iniciativa privada) dinheiro ou outros favores para que a pessoa em questão “esqueça” a ética dos seus deveres profissionais, concorrendo para uma decisão favorável a que faz a dita promessa.
A ética é a área da filosofia que estuda as normas morais nas sociedades e está intrinsecamente relacionada com a moral, com as questões e respectivo julgamento sobre quais devem ser os bons e os maus valores nos relacionamentos humanos, isto é, estuda e sugere o que é o bem e o mal.
Ética e lei, se bem que muitas vezes complementares, são realidades diferentes, pois ninguém pode ser forçado, pelo Estado ou por outros, a cumprir normas éticas, se bem que esse seja o objectivo de qualquer pessoa de bem, individual ou colectiva.
Essas normas vêm de uma evolução de séculos e quem educa fá-lo à luz das normas que aprendeu e apreendeu de forma extrínseca e intrínseca.
Extrínseca com as normas da sociedade, em primeiro lugar através dos Pais e dos seus exemplos e intrínseca, que tem a ver com a qualidade de bem ou de mal que cada um de nós tem de herança genética.
É assim que a História é escrita!
A corrupção da ética do dia-a-dia, aquela que não se vê, mas que está lá e que faz com que um ganhe um negócio e outro não é mais grave do que a grande corrupção, aquela que faz títulos de jornais!
Exemplo: uma qualquer entidade, pública ou privada quer lançar uma cantina ou um restaurante, por exemplo. Consulta várias empresas que podem montar o espaço com os equipamentos necessários. Duas apresentam os seus preços dentro das normas do bem proceder, e uma terceira “oferece” a quem indagou uma vantagem financeira pessoal qualquer, e ganha este concurso.
É eticamente reprovável e enquadra-se em corrupção com suborno.
Mas para quem corrói a ética, esta é uma questão secundária.
Um terrorista só o é para quem aterroriza porque se julga defensor dos seus direitos ancestrais, tal como quem contorna a ética (e a lei!) se acha no direito de fazer valer assim os seus direitos, mesmo que colidam com o direito comum.
É uma forma diferente de interpretação da ética. Enquanto a maioria vai numa direcção na auto-estrada, há quem ande em sentido contrário dizendo que todos os outros é que estão mal.
Os corruptos, por norma aplicam a norma de que são os outros que estão em contra-mão e valem-se de brechas e esquemas para contornar o que as leis determinam.
E o que há disso por aí!
A ética, ou a falta dela, como norma de moral individual, passa-se de pais para filhos: no exemplo citado, o Sr. Silva, dono da empresa que ganhou sub-repticiamente o concurso para montar a cantina, tem filhos. Estes têm conhecimento das “técnicas” de moral duvidosa do pai e acham, porque assim aprenderam, que é normal ser assim, procedem no seu dia-a-dia da mesma forma, seguindo o exemplo do pai, e assim a ética é, ela própria corrompida e etc., etc., etc,.
Corrupção e antiética andam de mãos dadas e passam de geração em geração, isto é, corrupto gera corrupto.
O travão para que se evite esta passagem de geração em geração, para que a História se possa valer das muitas histórias que todos os que anonimamente vão passando por este mundo, passa por todos nós, passa por não aceitar este tipo de actos e educar os nossos filhos na ética da correcção moral, passa também por aceitar que se possam dizer coisas sérias brincando com o “non sense” das mais variadas histórias que pululam os dia-a-dias da nossa vivência, seja na “silly season” ou na dita “serious season”!