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Lei permite que criança seja DJ?

Diego Gonzalez, como é mais conhecido,
actuou nas Festas de São Vicente, na passada sexta-feira
Diego Gonzalez, como é mais conhecido, actuou nas Festas de São Vicente, na passada sexta-feira, Foto Facebook do Café do Teatro

Diego Gonçalves Freire, de 7 anos, é considerado o DJ português mais jovem do mundo

Diego Gonzalez (nome artístico de Diego Gonçalves Freire), publicitado como o DJ português mais jovem do mundo, foi um dos cabeças de cartaz das Festas de São Vicente, na passada sexta-feira, 29 de Agosto.

À primeira vista pode parecer surpreendente, fofo ou engraçado. Todavia, a participação de um menino, de apenas 7 anos de idade, num espectáculo nocturno, vem suscitar algumas questões sobre o impacto do exercício deste tipo de actividades no desenvolvimento salutar das crianças e jovens artistas. Importa, por isso, analisar esta questão à luz do direito de protecção de crianças e jovens.

Ao DIÁRIO, a presidente da Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Machico, esclarece que “os pais podem solicitar autorização para as crianças participarem nessas artes de espectáculos”. Todavia, existem regras, sublinha Márcia Góis.

“De acordo com a Lei de protecção de crianças e jovens as crianças, [os menores] não devem trabalhar, mas há uma modalidade – um requerimento – que é pedido à Comissão [Nacional de Protecção das Crianças e Jovens] da sua área de residência para a participação em artes e espectáculos [que o possibilita]”, clarifica a responsável.

Com efeito, a Lei de protecção de crianças e jovens em perigo (Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro) indica que a participação de menores actividades de natureza cultural, artística ou publicitária carece de autorização da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da área da residência do menor.

Este modelo de requerimento de autorização está disponível no site da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco ou através do portal para o Balcão do Empreendedor do Governo.

É gratuito.

Documentos e requisitos

Para pedir autorização à CPCJ, a entidade promotora de artes e espectáculos deve entregar os seguintes documentos:

  • requerimento - Participação em atividades culturais, artísticas ou publicitárias ficha de aptidão da criança emitida pela medicina do trabalho da entidade promotora, após consulta do médico da criança, certificando que tem capacidade física e psíquica adequadas à participação nas actividades;
  • declaração emitida pelo estabelecimento de ensino, com o horário escolar e informação sobre o aproveitamento escolar da criança;
  •  autorização dos representantes legais da criança;
  •  parecer de sindicato e de associação de empregadores representativos, onde consta a compatibilidade entre a participação prevista e a idade do menor. Na ausência de resposta, deve ser entregue uma prova de que o pedido do parecer foi feito, no mínimo, 5 dias úteis antes da apresentação do requerimento. Caso o parecer do sindicato ou da associação de empregadores seja desfavorável, pode ser entregue uma apreciação da entidade promotora.

Procedimento

A entidade promotora de artes e espectáculos deve pedir a autorização à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) da área da residência da(s) criança(s) ou jovem, ao preencher o Requerimento - Participação em actividades culturais, artísticas ou publicitárias.

O requerimento pode ser entregue das seguintes formas:

  • Por e-mail: através do e-mail da CPCJ da área de residência da criança
  • No balcão de atendimento: na CPCJ da área de residência da criança
  • Por correio: para a morada da CPCJ da área de residência da criança.

A CPCJ irá depois comunicar a autorização e o prazo de validade da mesma à entidade requerente, à entidade fiscalizadora - Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), aos representantes legais da criança e ao estabelecimento de ensino.

Caso haja alterações no horário escolar, no aproveitamento escolar ou no comportamento da criança, a situação é reavaliada pela CPCJ, que pode retirar a autorização.

Prazo de emissão/ decisão

A CPCJ tem 20 dias para apresentar a decisão, pelo que a entidade deve salvaguardar esse prazo antes do início da actividade em causa.

Caso a entidade não apresente todos os elementos e/ou documentos no pedido de autorização, tem 10 dias para corrigir as falhas identificadas pela CPCJ.

O prazo de decisão da CPCJ fica suspenso enquanto a entidade não entregar os elementos em falta.

Motivos de recusa

O pedido de autorização para participação de crianças em artes e espectáculos pode ser recusado nas seguintes situações:

  • falta de preenchimento de um ou mais campos do requerimento;
  • elementos ilegíveis no preenchimento do requerimento quando o pedido é feito por uma pessoa ou entidade sem legitimidade para o fazer;
  •  quando o pedido é feito a uma entidade que não tem competência para o aceitar;
  • quando o pedido é incompatível com outro pedido em curso incumprimento dos requisitos.

Actividades permitidas a menor

A Lei 105/2009, de 14 de Setembro, que regulamenta o código de trabalho, estipula quais as actividades permitidas a menor.

Assim, e de acordo com a legislação, um menor “pode participar em espectáculo ou outra actividade de natureza cultural, artística ou publicitária, designadamente como actor, cantor, dançarino, figurante, músico, modelo ou manequim”.

Esta situação “não pode envolver contacto com animal, substância ou actividade perigosa que possa constituir risco para a segurança ou a saúde do menor”.

Por outro lado, “o menor só pode participar em espectáculos que envolvam animais desde que tenha pelo menos 12 anos e a sua actividade, incluindo os respectivos ensaios, decorra sob a vigilância de um dos progenitores, representante legal ou irmão maior”.

A mesma lei refere que a violação destas disposições “constitui contra-ordenação muito grave, imputável à entidade promotora da actividade”.

Duração do período de participação em actividade

A legislação limita também o período de participação dos menores neste tipo de actividades, incluindo ensaios e outros actos preparatórios, consoante a idade daquele.

No caso de uma criança com menos de 1 ano não pode exceder uma hora por semana.

Entre 1 e os 3 anos o permitido são duas horas por semana, período que aumenta para duas horas por dia e quatro horas por semana, a partir dos 3 e até aos 7 anos.

De 7 a menos de 12 anos – faixa etária em que se inclui o DJ Diego Gonzalez – o estipulado são 3 horas por dia e 9 horas por semana, “podendo qualquer dos limites ser excedido até três horas, caso o acréscimo de actividade ocorra em dia sem actividades escolares”.

Entre os 12 e os 16 anos, já podem participar neste tipo de actividades 4 horas por dia e 12 horas por semana (podendo inste limite ser excedido até 3 horas, nos mesmos moldes do grupo etário dos 7 aos 12 anos).

A Lei 105/2009, de 14 de Setembro salienta que “durante o período de aulas, a actividade do menor deve não coincidir com o horário escolar”, devendo ainda “respeitar um intervalo mínimo de uma hora entre ela e a frequência das aulas e não impossibilitar de qualquer modo a participação em actividades escolares”.

Segundo a lei, “a actividade do menor deve ser suspensa pelo menos um dia por semana, coincidente com dia de descanso durante o período de aulas”.

Estas actividades também podem ser exercidas em metade do período de férias escolares, tendo em conta os seguintes limites, consoante a idade do menor: 6 horas por dia e 12 horas por semana, no caso de crianças dos 6 aos 12 anos (exclusive); 7 horas por dia e 16 horas por semana entre os 12 e 16 anos.

Estão também salvaguardadas pausas.

Refira-se que, de acordo com a Lei 105/2009, de 14 de Setembro “o menor só pode exercer a actividade entre as 8 e as 20 horas ou, tendo idade igual ou superior a 7 anos e apenas para participar em espectáculos de natureza cultural ou artística, entre as 8 e as 24 horas”.

“Uma criança de 7 anos [ficar acordada até] às 4 da madrugada” é algo “excessivo e fora do normal desenvolvimento de uma criança, que precisa de descansar e ter as suas rotinas”, observa a presidente da CPCJ de Machico.

“Se é uma vez, de vez em quando, até podemos admitir. Agora, quando se torna prática habitual acho que não é salutar criança tem de ser ouvida (…), mas muitas vezes as crianças caiem nesta ilusão de serem famosas e do mediatismo e, depois, há o reverso da medalha. A preocupação passa a ser o espectáculo e a parte emocional fica um pouco de lado. Tem de haver aqui um trabalho muito importante dos pais, uma supervisão muito atenta para esse tipo de actuações”, pondera Márcia Góis.

A isto acresce que, de acordo com o número 2 do artigo 3º. da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, considera-se que um menor está em perigo, por exemplo, quando “é obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento” e/ ou “está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional”.

“[Os menores] têm de frequentar a escola e tempos para brincar. Não pode ser uma coisa muito exaustiva, senão depois as crianças também não vivem a infância”, evidencia Márcia Góis.

Leia também sobre este tema as considerações da Secretaria-Geral da Educação e Ciência:

Uma criança pode participar num espectáculo ou noutra actividade de natureza cultural, artística ou publicitária, desde que essa participação não coloque em risco a sua segurança ou saúde