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O efeito Asch

O João relembrou-me ontem o artigo de opinião. Fiquei-lhe grata, não por não o ter escrito, mas porque, cada vez mais, sinto que já não tenho muito a acrescentar. Costumo dizer aos meus estudantes que, na vida, não temos apenas opiniões — aquilo a que Platão chamou conhecimento “doxal” — mas sim perspetivas sustentadas, inevitavelmente marcadas pelo nosso olhar. Ainda assim, o grupo pode dobrar-nos: como numa colmeia, as regras coletivas parecem sempre mais fortes. Porém, lembro-me de que sou, afinal, uma “abelha” livre. Trago comigo o dever do pensamento, porque as palavras são mais fortes do que qualquer arma. Esse dever é, antes de mais, para comigo mesma — e que isto fique claro a quem me lê.

A dificuldade em dizer o que se pensa pode ser compreendida à luz do que Foucault descreveu como a produção de “discursos autorizados” e a exclusão dos não conformes. O poder sobre o discurso — e aqui não me refiro apenas a governos ou hierarquias formais — não se exerce apenas pela repressão direta, mas também através de mecanismos subtis de normalização, que levam cada um de nós a vigiar-se a si próprio e a calar-se para evitar juízos de valor, humilhação pública ou devassa da vida privada. O silêncio, nestes termos, é disciplina: quem teme falar interiorizou a possibilidade de punição ou vexame. Segue-se para a loucura da conformidade e como são hábeis alguns grupos nas redes sociais a garantir isto. As pessoas apoiam-se “umas nas outras para encontrarem chaves de interpretação da realidade (...)” e se “aparecerem desvios” haverá então de “fazer entrar as pessoas na ordem e impor opiniões maioritárias”, refere Leyens.

Discutia, no outro dia, com o meu bom amigo Raúl, sobre o direito a tudo se dizer, inclusive difamar, injuriar ou caluniar, conduzindo à chamada “morte pública”. Claro que isto é aceitável quando é “na casa dos outros”. É neste ponto que nasce o medo da ação política, enquanto direito de exercer a liberdade de cidadania. Nas palavras de Hannah Arendt, não se trata apenas de estar “livre da opressão”, mas sobretudo de “agir em conjunto” publicamente. O medo é mais do que uma emoção individual: é um produto político e cultural que molda os limites do dizível.

A pluralidade de vozes é a essência da comunidade que é sempre política, e a capacidade de agir em conjunto depende da liberdade de cada um para aparecer no espaço público. Quando o medo cala opiniões, não é apenas o indivíduo que se retrai, mas a própria esfera pública que se empobrece. A ausência de confronto de ideias abre espaço para a dominação do pensamento único e para o triunfo da propaganda. Quando haverá espaço para este debate — e até que ponto a sua ausência nos condena à irrelevância?

O medo de emitir opinião não é apenas um problema psicológico ou social, mas um sintoma de fragilidade democrática: onde há silêncio imposto — externo ou interiorizado —, há um défice de liberdade e de justiça. Daqui decorre uma clara ligação com o efeito Asch (recomendo a leitura de Psicologia Social, de Leyens e Yzerbyt, para melhor compreender este fenómeno) e o silêncio como produto político. O efeito Asch mostra que os indivíduos tendem a calar a sua própria perceção e a alinhar-se com a maioria, mesmo quando esta está objetivamente errada. Este mecanismo ajuda a compreender como o silêncio social se constrói: ele não é uma ausência espontânea de opinião, mas resulta da pressão do coletivo sobre o indivíduo. Isolar, calar e apagar serve as estruturas de poder — inclusive as mais frágeis ou medíocres — perante todos os que dizem defender a liberdade. Haverá maior contradição que esta? Basta um lançar a pedra (normalmente os mesmos que escondem a mão) e o silêncio não nasce apenas do medo, mas da possibilidade de marginalização. A “espiral do silêncio” ecoa o efeito Asch: opiniões percebidas como minoritárias são caladas pelo receio de isolamento, criando um consenso aparente que reforça ainda mais o silêncio. Até lá, desaparecemos. Um de cada vez.

Abraço Emanuel Jardim Fernandes.

Serás sempre liberdade.

Até amanhã, Camarada.