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Crónicas

O bom, o mau e os muros

A histeria partidária em torno dos imigrantes chegou à campanha autárquica. Na triste tentativa de surfar a onda xenófoba de Ventura, o reciclado candidato do Chega à Câmara do Funchal propôs-se a combater a imaginária invasão de imigrantes com a arma secreta das juntas de freguesia: atestados de residência. Como se a chave da gestão de fronteiras estivesse guardada na gaveta de uma junta de freguesia. O vale-tudo político não conhece limites, dispensa a lógica e confunde competências quando se trata de sacar alguns votos.

O bom: A Madeira e o ensino superior

Quando, em 1965, Agostinho Cardoso, se dirigiu aos deputados da Assembleia Nacional a reclamar a instalação do ensino superior na Madeira, estaria longe de imaginar que o seu pedido levaria mais de 20 anos a ser materializado na Universidade da Madeira. Ainda mais inimaginável, para aquela década, seriam os milhares de ilhéus que, hoje, ingressam na universidade. Para os madeirenses, o ensino superior deixou de ser exceção e passou a ser comum. Haverá poucas conquistas tão significativas como esta para a autonomia insular que, este ano, celebra 50 anos. Desde 2015, o número de alunos madeirenses inscritos no ensino superior, não só cresceu ano após ano como, em retrospetiva, aumentou quase 30%. É inegável que a Universidade da Madeira contribuiu decisivamente para a democratização do acesso ao ensino superior dos madeirenses, ainda que a opção maioritária seja pela frequência de estabelecimentos em Portugal Continental. Este avanço não é obra do acaso, mas consequência direta da capacidade que a Madeira passou a ter, desde 1976, de colocar a educação, incluindo a superior, no centro das suas prioridades. Meio século depois, a normalidade de milhares de madeirenses entrarem na universidade é prova de um autêntico salto civilizacional – de uma ilha onde estudar além do liceu era privilégio de muito poucos, para uma região que vê no ensino superior um direito ao alcance de muitos. Se alguém questionar, 50 anos depois, o que significa a nossa autonomia, uma das respostas possíveis estará, certamente, nas portas abertas da universidade para os madeirenses.

O mau: Maria Palma Ramalho

Antes da política, vem a comunicação. Não que a forma anteceda o conteúdo, mas não é possível fazer política sem ter uma noção clara do que se quer comunicar. Maria Palma Ramalho, ministra do Trabalho, não leu esse capítulo do manual de boa governação para ministros. Se o tivesse lido, saberia que anunciar uma alteração da legislação laboral, pela sensibilidade da matéria, exige rigor, clareza e estratégia – nunca um improviso atabalhoado que confundiu mais do que esclareceu. Foi assim que se reduziu a necessidade - apenas adiada por conveniência eleitoral - de rever a legislação laboral a um debate ridículo, histérico e contraditório sobre amamentação. Ridículo, porque fez de um tema lateral - embora relevante - o centro da discussão sobre a alteração legislativa. Basta ler toda a proposta do Governo, onde se incluem propostas de legalidade duvidosa (a simplificação do despedimento por justa causa) e outras há muito desejadas (alargamento da contratação a termo certo) para concluir que a amamentação é pretexto para distrair do essencial. Histérico, porque os indignados com o prazo máximo de dois anos para amamentação, esqueceram-se que esse período de tempo parte de uma recomendação da Ordem dos Médicos, embora seja divergente da proposta do Governo quanto à necessidade de atestado. Por fim, é um debate contraditório porque o Governo, há bem pouco tempo, preocupava-se com a baixa natalidade e agora apresenta medidas marcadamente contraditórias com essa preocupação. Aliás, comparado com outros retrocessos, como as restrições ao trabalho flexível, o novo regime da dispensa por amamentação é o que menos impacto terá na vida dos pais trabalhadores. No fim, voltou a perder-se uma oportunidade para reformar a lei laboral com equilíbrio, consenso e sem alvoroço.

Os muros: A nova lei de estrangeiros

Há duas formas de gerir as fronteiras de um país: abrindo-as, sem qualquer regra, para que todos possam entrar, ou mantendo-as abertas, mas com regras claras e justas para quem entra. A primeira hipótese é uma fantasia lírica, a segunda é a prática da maioria das democracias liberais. Este ponto prévio é essencial a qualquer discussão sobre política migratória, porque permite centrar o debate na justiça das regras de entrada e permanência de estrangeiros num país, em vez de o reduzir a uma trincheira ideológica onde a esquerda se proclama campeã da fraternidade entre os povos e todos os outros são rotulados como apóstolos da crueldade desumana. A partir desta clarificação, é mais fácil compreender os factos e as distorções em torno da nova lei de estrangeiros e do subsequente alarido constitucional. Apesar de Portugal nunca ter tido uma política de fronteiras totalmente abertas, teve, entre 2017 e 2024, algo bem pior. A manifestação de interesse permitia que todos os que tivessem entrado em Portugal e tivessem promessa ou contrato de trabalho pudessem ter a situação regularizada. Esta possibilidade provocou o colapso absoluto, primeiro, do SEF, e, depois, da AIMA, incapazes de tratar das milhares de manifestações de interesse submetidas. O Estado que abriu a porta a todos, não tinha meios para tratar de quem deixava entrar. Resta a pergunta: abandonar à sua sorte quem se deixa entrar é compatível com a Constituição?