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Crónicas

Taça de Portugal a (estranha) festa do futebol

Escrevo estas linhas a poucas horas de me dirigir para o Jamor afim de assistir à final da Taça de Portugal, a segunda maior prova do calendário de futebol nacional. Este ano com a especial apetência de se defrontarem os eternos rivais da Segunda Circular. Benfica e Sporting esgrimem por isso argumentos depois do campeonato ter sido entregue aos verde e brancos. Só que aquilo que é habitualmente apelidado de festa do futebol, que tem o seu expoente máximo precisamente nesta prova, onde equipas de todos os campeonatos têm a possibilidade de jogar contra os clubes da Primeira Liga, este ano parece ensombrada pelo trágico episódio ocorrido da ultima vez que os dois emblemas se defrontaram, no mesmo estádio, no longínquo ano de 1996. Nesse fatídico encontro um adepto sportinguista morreu, vítima de um engenho pirotécnico a que se dá o nome de very-light. Ora este acontecimento não foi apagado e vem à memória especialmente agora que os clubes lisboetas se voltam a defrontar. Mas não é só. Temos assistido com especial ênfase nos últimos anos, a confrontos e distúrbios pouco condizentes com aquilo que deveria ser um espetáculo do desporto rei.

A Taça é conhecida pela festa dos pequenos porque não raras vezes, clubes de divisões inferiores fazem “uma gracinha” e eliminam favoritos de escalões acima. Este ano calhou ao Elvas e ao Tirsense chegarem longe acumulando algumas surpresas pelo caminho. Quis o destino que a final fosse esta. A final desta competição tem a particularidade de trazer os adeptos bem mais cedo para as redondezas e a famosa mata do Jamor virá cenário de encontro popular onde se assam porcos e se bebem minis quase a ponto de se ver o jogo a dobrar. Já tive a felicidade de o presenciar e de juntar mais de 40 amigos, onde não faltaram adereços, comida e bebida à fartazana e muito boa disposição. Regresso este ano com o mesmo objectivo. O de apoiar o meu Benfica logicamente mas de celebrar a amizade, a dinâmica especial do convívio num dia que se prevê solarengo e bonito. Só que muitas pessoas que conheço escolheram não ir ao jogo. E não vão porque têm medo. Especialmente os que no caso de irem gostariam de levar os seus filhos, sobrinhos ou netos. E aquilo que é habitualmente uma festa de família bem colorida, torna-se-à numa tarde previsivelmente mais cinzenta, ganhe quem ganhe, porque os condimentos não são os mais prometedores.

Estranho, no século XXI e sobretudo quando estamos a falar de um mero jogo, existir tanto perigo e receio ao ponto de se escolher não assistir, não contribuir para o espetáculo e não festejar em família quando tinha tudo para ser assim. A mim causa-me especial confusão, eu que tenho tantos amigos de clubes diferentes, ter que lidar com tal ódio e tanta animosidade. Não podermos levar os que mais gostamos num clima de partilha e emoção com receio que lhes aconteça alguma coisa, que se possa gerar confusão tal que levem tudo a eito ou que algum adepto do clube rival lhes possa fazer algum tipo de mal. Deixa-me genuinamente triste ver as famílias afastadas deste jogo tão marcante, quando alguns dos muitos bons momentos que tenho vivido com o meu pai têm sido justamente dentro de um estádio. Deixa-me triste que um Pai não possa levar um filho à festa do Jamor quando aquilo que ali se vive é tão bonito e tão emocionante. Este ano irei novamente com amigos, assaremos um porco como manda a tradição e teremos muita cerveja e pão para acompanhar. Espero logicamente que ganhe o meu clube mas desejo ainda mais que se acabe de vez com este clima intimidatório que vai corroendo por dentro as paredes do desporto mais apreciado em Portugal.

Temos que de uma vez por todas acabar com esta cultura de guerrilha. Era bom alguns irem ver vídeos antigos de jogos passados para perceberem a diferença. O cumprimento e o respeito que havia entre os clubes, os jogadores e dirigentes. A mensagem dos capitães que trazia consigo um imenso carisma mas acima de tudo um profundo reconhecimento uns dos outros. A rivalidade não era menor nessa altura, mas nessa altura havia respeito e a Taça, bem como outros jogos, eram entendidos como uma mera disputa saudável entre dois emblemas que queriam muito ganhar. O que espero e desejo é que amanhã, as capas dos jornais sejam feitas apenas e só dos vencedores e dos vencidos e que não existam notícias de tragédias ou conflitos. Porque é tempo das pessoas crescerem e evoluírem mesmo com todo o amor que possam ter pelo seu clube. E eu tenho pelo meu. Mas há limites para tudo. Que se faça a festa, que regresse o espirito do antigamente e que ganhe o Benfica!