A falência do actual modelo
1. Portugal começa a dizer basta. Quase um quarto dos eleitores mostrou nas urnas que rompeu, de forma inequívoca, com o modelo político que domina o país desde o 25 de Abril de 1974. Durante cinco décadas, PS e PSD alternaram-se no poder, entre promessas falhadas, escândalos abafados e uma teia de clientelismo que sufocou a renovação desejada pela sociedade. Muito se evoluiu, é certo, em vários domínios, mas uma grande franja ficou à margem do sistema.
O regime partidário instalado sobreviveu a críticas e crises sem que nenhuma força externa ao eixo central conseguisse ameaçar verdadeiramente a sua hegemonia. À direita, o PRD foi um fogo-fátuo e o CDS nunca passou da condição de parceiro menor. À esquerda, PCP e Bloco de Esquerda serviram, em momentos-chave, para empurrar o PS para o poder, mesmo quando este perdia eleições. O sistema foi mantendo o seu equilíbrio interno, blindado às exigências reais da sociedade.
Mas o país real cansou-se. E quando o cansaço se transforma em frustração, o voto deixa de ser apenas escolha: torna-se protesto. Protesto contra salários estagnados, listas de espera na saúde, acesso desigual à habitação e à educação, e a permanente sensação de que Portugal anda para trás enquanto outros, que chegaram depois à União Europeia, nos ultrapassam sem esforço.
Não são precisas teses sociológicas para entender esta ruptura. Basta escutar quem vive com 800 euros por mês, quem espera meses por uma consulta no SNS ou quem, depois de décadas de descontos, se vê resignado a uma vidinha quase miserável. São esses cidadãos que deixaram de acreditar num sistema que há muito deixou de os representar. São eles que, descrentes, optaram por projectos alternativos, perigosamente simplistas e demagógicos, mas que prometem, pelo menos, romper com o que já provaram que não funciona.
A Aliança Democrática de Luís Montenegro foi ainda vista como a última hipótese de regeneração dentro do sistema tradicional. Recebeu votos suficientes para liderar, mas não para governar com estabilidade. A dúvida impõe-se: será desta que PS e PSD compreenderão a gravidade do momento e encontrarão consensos em áreas estruturais? Ou persistirão no jogo de soma zero, onde o bloqueio político é moeda corrente?
Tudo indica que continuarão a alimentar a polarização, o que só beneficiará o Chega, um partido que, embora sem provas dadas de governação, sabe capitalizar o descontentamento popular, mesmo que para isso recorra a promessas inexequíveis e a discursos que corroem as bases da convivência democrática.
O bipartidarismo acabou. E com ele pode haver uma mudança de regime. Veja-se o que já se diz sobre uma hipotética revisão constitucional.
2. Por cá, o PS regional, há muito incapaz de se afirmar como alternativa real ao poder hegemónico do PSD, continua em queda livre. Perde influência, votos e credibilidade a cada acto eleitoral. O eleitorado madeirense, cansado de um discurso frouxo e de lideranças apagadas, começa a procurar alternativas. E é nesse vazio que o JPP cresce, à custa do PS e da incapacidade deste em se reinventar.
Se o Partido Socialista não fizer uma revolução interna urgente, que comece por mudar rostos, linguagem e estratégia, as próximas autárquicas poderão confirmar a sua irrelevância política na Região. A paisagem política está a mudar. Quem não perceber isso ficará para trás.