Terá o ‘campismo selvagem’ chegado à Estrada de Santo Antão no Seixal?
Parte da Madeira está em polvorosa com o denominado ‘campismo selvagem’, aquele que não obedece a regras e acontece em espaços públicos da Região. Nos tempos mais recentes, com maior incidência na última semana, várias foram as notícias e divulgações nas redes sociais de casos concretos. Um, dos que mais brados deram, aconteceu junto ao Miradouro do Guindaste, no concelho de Santana.
Nesta terça-feira, no Facebook do grupo Ocorrência na Madeira, P. Batista publicou uma imagem, com o seguinte comentário: “Agora é todos os dias… Estrada de Santo Antão no Seixal, depois do cemitério”. Na imagem vê-se um automóvel com uma tenda em cima e, atrás do carro, uma pérgola, com outra tenda, um conjunto de objectos espalhados e roupa estendida num fio.
A publicação, até à tarde desta quarta-feira, suscitou, pelo menos, 350 comentários, 125 partilhas e mais de 600 reacções. Mas será a imagem mesmo de algo que aconteceu no Seixal, na ilha da Madeira?
Para a verificação da veracidade do afirmado e da imagem recorremos a testemunhos e à análise da imagem, na certeza, porém, de que vários leitores garantem que não se trata de uma imagem do Seixal na ilha da Madeira.
Uma das primeiras coisas que fizemos foi pedir ao presidente da Junta de Freguesia do Seixal que observasse a imagem e nos dissesse se era mesmo da sua freguesia e, em particular, da Estrada de Santo Antão.
Xavier Castro não necessitou de muito tempo para uma resposta peremptória: não é no Seixal. Um dos aspecto, para os quais nos chamou a atenção, foi para a parte do piso da estrada. Ao que nos garante, desde os anos de 1980 que se encontra asfaltada e na imagem está empedrada. Só por isso, já não poderia ser no local indicado e, menos ainda, recente.
O presidente da Junta de Freguesia, que tem sede quase encostada ao espaço onde alegadamente a imagem foi captada, garante que nunca viu nada parecido naquele local, nem lhe foi relatado. Admite, isso sim, algo de semelhante no cais do Seixal. O próprio já o testemunhou.
O passo seguinte, que demos, foi comparar a imagem com o que é possível ver no Google Maps para o mesmo local ou aproximadamente. A versão disponível é de Junho de 2021. Nela constata-se o piso da estrada em asfalto e não em pedra, como o da imagem publicada. Além disso, o ‘parque’ onde se encontra o automóvel é completamente diferente.
Na imagem publicada é possível ver, à esquerda, o perfil da encosta até ao mar. Também esse é bem diferente da realidade e, além disso, não se vêem os ilhéus, que se conseguem ver a partir do Seixal.
Detivemo-nos, depois, noutros aspectos da imagem.
Ao fazer um zoom grande, consegue-se observar várias incoerências, em particular, na roupa que está estendida. Por outro lado, não são visíveis quaisquer marcas, na roupa, nas embalagens de água, nos sacos e/ou nas embalagens, nem mesmo no veículo automóvel, de que foram desfocados o que deveria ser a matrícula e o símbolo da marca. Tentámos mesmo identificar o fabricante do automóvel, mas não conseguimos alguém que o tenha sido capaz de o fazer com sucesso.
Então, recorremos a ferramentas de inteligência artificial, que também não foram capazes de o fazer com elevado grau de certeza. A síntese da análise do GPT (também usámos o Copilot, o Claude e o Gemini) foi a seguinte: “Forma geral: O design lembra SUVs compactos ou de médio porte de marcas como SEAT (Ateca), Volkswagen (Tiguan) ou Nissan (Qashqai/X-Trail). A traseira em particular parece muito próxima da do SEAT Ateca, especialmente a forma das luzes traseiras e o recorte do vidro.
Luzes traseiras: A assinatura luminosa parece inspirada em modelos do grupo Volkswagen.
Porta traseira e linhas da carroçaria: As linhas de vincos laterais são típicas de veículos como o Tiguan ou o Ateca.”
O GPT identifica como ‘elementos que levantam suspeitas’: marca ou modelo irreconhecível; mistura de estilos e contexto artificial. Neste último aspecto, escreve: “O cenário e a disposição dos objectos parecem demasiado ‘perfeitos’ e bem compostos, o que é comum em imagens geradas ou fortemente editadas.”
Como se pode verificar, por tudo o que aqui é dito e ao que nos foi possível verificar, é falso que a imagem em análise ilustre uma situação vivida na “Estrada de Santo Antão no Seixal, depois do cemitério”. Assim, todos os comentários, partilhas e reacções foram originados por um elemento falso, sendo, para o caso, irrelevante a intencionalidade de quem esteve na origem da imagem e da respectiva publicação. Ainda assim, é certo que casos como o relatado ajudam a dar uma dimensão falsa a um fenómeno que é real.