A política de imigração está a “trazer gente que não presta”?
Foi no Funchal, durante uma acção política do Chega, que o deputado Francisco Gomes lançou uma frase polémica: “A política de portas abertas está a trazer para o nosso país gente que não presta”. A declaração, dita em tom acusatório, associa a imigração legal ao aumento da criminalidade, à degradação dos valores nacionais e ao aproveitamento indevido do sistema de apoios sociais. Será verdade?
A questão não é menor. Geradora de opiniões e de sentimentos, logo convém tirar a limpo a questão.
Portugal tem assistido, nos últimos anos, a um aumento expressivo dos pedidos de regularização de imigrantes, grande parte deles concentrados nas chamadas manifestações de interesse, herdadas do antigo SEF. Para dar resposta ao volume de processos acumulados, o Governo criou a Estrutura de Missão da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), com prazo de funcionamento até 3 de Junho de 2025. O seu objectivo é resolver os 446.921 pedidos pendentes, um número sem precedentes no país.
À primeira vista, este volume pode parecer preocupante. No entanto, a análise dos resultados até agora alcançados ajuda a esclarecer o panorama. De acordo com uma notícia publicada pela CNN Portugal e baseada em dados do jornal Expresso, 123 mil imigrantes já receberam autorização de residência em Portugal — cerca de 27,5% do total de processos. Isso representa uma taxa de aprovação de 84% entre os pedidos analisados. Os indeferimentos representam apenas 5,2%, o que corresponde a 23.500 recusas, com consequente notificação de abandono voluntário do país. Estes cidadãos ainda têm direito a recurso, como previsto na lei.
Mas os dados mais sensíveis são os que dizem respeito à segurança. Haverá fundamento na ideia de que os imigrantes representam um risco crescente para a sociedade portuguesa? Os números disponíveis desmentem essa associação. O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2023 mostra que os cidadãos estrangeiros representam uma minoria residual nos crimes participados em território nacional. A criminalidade continua a ser maioritariamente cometida por portugueses. Em 2024, foram expulsos 142 cidadãos estrangeiros, em muitos casos por tráfico de droga. No mesmo ano, 287 portugueses foram deportados de países como o Reino Unido, França e Estados Unidos, invertendo o senso comum de que só Portugal acolhe casos problemáticos.
A verdade é que os imigrantes legalizados em Portugal participam activamente na economia. Segundo o Observatório das Migrações, os estrangeiros apresentam taxas de actividade laboral superiores à média nacional, especialmente em sectores como construção civil, restauração, agricultura e serviços de cuidados — áreas onde há escassez de mão de obra nacional. Estudos da Fundação Francisco Manuel dos Santos reforçam que, na maioria dos casos, os imigrantes contribuem mais em impostos e segurança social do que recebem em prestações sociais. Não são, como sugeriu o deputado, um grupo que vive à custa do sistema.
Além disso, o próprio processo de legalização é regulado por critérios exigentes. A concessão de autorização de residência exige documentos, comprovativos de actividade profissional e ausência de antecedentes criminais. Os 23.500 indeferimentos hoje registados mostram que há triagem efectiva, desmentindo qualquer ideia de “portas escancaradas” sem controlo.
O discurso que associa imigração a insegurança ou ameaça cultural não é novo. Mas tem sido repetidamente desmentido por instituições como a OCDE, o Banco Mundial e a Comissão Europeia. A criminalização da imigração legal é frequentemente utilizada como recurso político por forças populistas, mas não se sustenta em dados empíricos. A generalização de comportamentos isolados é, em si mesma, uma falácia estatística.
É legítimo discutir políticas migratórias, volumes de entrada e modelos de integração. Mas é outra coisa apresentar a imigração legal como fonte de desordem e ameaça. Os factos demonstram que a maioria dos imigrantes entra de forma legal, contribui para o país, respeita a lei e procura uma vida melhor — como tantas gerações de emigrantes portugueses também fizeram noutros tempos.
Face a tudo isto, o que sobra da frase “estamos a trazer gente que não presta”?
A afirmação do deputado Francisco Gomes não é suportada por dados estatísticos nem por relatórios institucionais. Os imigrantes não são, em geral, beneficiários de apoios excessivos nem protagonistas da criminalidade. A política de imigração em Portugal é regulada e está a ser executada com mecanismos de controlo e recurso. A frase é uma generalização infundada, com forte carga ideológica, mas sem base factual. A realidade, como mostram os números, é bastante diferente do retrato feito em plena campanha eleitoral