O silêncio das causas
Há momentos na história em que os parlamentos se tornam menos relevantes, mas não porque tenham resolvido os problemas que atormentam a sociedade. Pelo contrário. O silêncio que agora se abateu sobre certas causas é o sintoma de um retrocesso preocupante.
Dantes, na Assembleia Legislativa da Madeira, havia quem falasse pelos que não têm voz; pelos animais abandonados, pelas pessoas que lutam contra um sistema onde as desigualdades persistem, pelo ambiente que se degrada sob o peso desenfreado do turismo e dos interesses de curto prazo de alguns. Havia quem não se contentasse com as meias-medidas e exigisse um futuro mais sustentável e justo. Hoje, essa voz deixou de ecoar dentro daquele hemiciclo, substituída pelos de sempre, com as ideias de sempre e por quem que, para não perder estatuto, troca o lugar de apenas um só deputado, por uma secretaria de enorme relevância, sem ter qualquer competência técnica para tal.
A nova configuração parlamentar dá conforto aos que preferem que certas discussões não aconteçam. Afinal, sem incómodos, é muito mais fácil continuar a fingir que o problema da habitação não existe, que a crise climática é um devaneio de ambientalistas ou que os direitos dos animais são uma excentricidade. Agora, quem ousava lembrar que há um preço a pagar pelo crescimento desenfreado e pela indiferença social já não está lá para questionar.
Aos eleitos que ainda confundem fazer política com fazer barulho relembro que fazer política não é apenas com indignação teatral e discursos inflamados, exige trabalho sério e escrutínio real. Se há algo pior do que um governo incompetente, é uma oposição que se limita ao espetáculo, trocando propostas por likes e fiscalização por manchetes. A Madeira já viu esse filme e sabe que gritos sem conteúdo não resolvem problemas, apenas os disfarçam.
A democracia tem destas ironias. Em nome do progresso, dá-se um passo atrás. Em nome da estabilidade, perdem-se vozes dissonantes. E, assim, a Madeira segue o seu rumo, com uma maioria que se sente à vontade para decidir sem ser incomodada por pequenos detalhes como a transparência, a justiça social ou a sustentabilidade. Afinal, governar sem oposição séria é sempre mais conveniente.
Mas, como a história já demonstrou, silenciar causas não as faz desaparecer. Os problemas que existiam antes continuam a existir. E os que acreditam que podem resolver-se sozinhos descobrirão, mais cedo ou mais tarde, que ignorar a realidade nunca foi uma estratégia viável. Porque, mesmo quando deixamos de ouvir certas vozes dentro do Parlamento, elas continuam a ecoar cá fora. E, mais cedo ou mais tarde, voltarão a ser impossíveis de ignorar.