O bom, o mau e o bombeiro
Vinte e cinco minutos. Foi este o tempo que a democracia televisiva decidiu atribuir ao confronto de ideias entre candidatos às próximas legislativas nacionais. Todavia, a melhor parte vem sempre depois. Aos duelos cronometrados, segue-se a análise arrastada por horas a fio, em diversos canais, onde extensas equipas de comentadores dissecam cada frase, cada pausa, cada significado como se de um tratado de filosofia política se tratasse. Na política para consumo rápido, talvez o que mais pese não seja o que se diz, mas o que se diz que foi dito.
O bom: Francisco
Inchado, cansado e vulnerável. Foi assim que vimos Francisco pela última vez. Porventura terá sido assim que sempre quis que o víssemos. Frágil, imperfeito, humano. Do alto da torre central da Basílica de São Pedro, mais do que desejar uma boa Páscoa, talvez tenha sido esse o esforço final para nos lembrar da sua – e da nossa – fragilidade. Na verdade, muito antes de chegar a Roma, essa foi sempre a primeira preocupação de Francisco: os mais fracos. Em Buenos Aires, onde nasceu filho de um ferroviário e de uma dona de casa, Francisco fez-se “bispo dos pobres” por conseguir duplicar o número de padres nos bairros mais pobres da capital argentina. Mais tarde, para a sua primeira visita papal, escolheu a Ilha de Lampedusa e deu eco ao sofrimento dos imigrantes cujas vidas se suspendem, e tantas vezes se perdem, na travessia do Mediterrâneo. Fê-lo nas inúmeras visitas a África e na palavra de esperança que pregou durante a pandemia. Francisco deixa-nos um legado construído de palavras simples, mas desarmantes. Apontou o dedo a Trump e à sua obsessão com os muros com o México, concluindo que quem age assim não poderia ser cristão. Respondeu a uma questão sobre a homossexualidade na religião católica com a icónica pergunta: “Quem sou eu para julgar?”. Francisco nunca quis salvar o mundo com gestos pomposos, mas com a persistência férrea e humilde de quem sempre escolheu estar ao lado dos últimos e dos que não contam. Na fragilidade de Francisco, reconhecemo-nos. E na sua fragilidade, ele reconheceu-nos a todos. Todos. Todos. Todos.
O mau: Bloco de Esquerda
Adensa-se, para os lados do Bloco de Esquerda, o inconfundível aroma a desespero. O primeiro sinal veio com as sondagens. O Bloco surgia repetidamente atrás do Livre e, por vezes, atrás do PCP. O segundo sinal chegou com a ressurreição de Louçã, Rosas e Fazenda para a lista de candidatos às próximas legislativas. A aposta do Bloco no regresso dos grisalhos revela um partido refém do seu passado e incapaz de atrair novas figuras. Por trás dos sinais, estão os erros, alguns de palmatória, dos bloquistas. Primeiro, veio o despedimento de trabalhadoras que ainda amamentavam, seguido de um desmentido apressado e que viria a redundar numa envergonhada carta de Mariana Mortágua aos seus militantes a admitir o erro. Depois, a insistência na fixação de um limite máximo para as rendas e a utilização do exemplo de Barcelona onde a medida teria, supostamente, levado à descida do preço dos arrendamentos. Do que se esqueceu o Bloco, foi que a descida das rendas aconteceu à conta de uma queda brutal (80%) do número de contratos de arrendamento celebrados. Quem diria que a limitação das rendas iria criar um mercado paralelo de arrendamentos? E assim, num trágico volte-face, o Bloco de Esquerda foi-se transformando no que sempre negou: um partido preso ao passado, refém da ortodoxia, impermeável à crítica e capaz de todas as contradições que sempre apontou aos outros. Despede quem amamenta, enquanto prega pelos direitos trabalhadores. Exige a limitação das rendas, mas esconde que a sua proposta resulta em contratos paralelos. Diz-se jovem, mas depende dos seus barões para apontar o caminho. Pela boca morre o peixe e, por vezes, também o partido.
O bombeiro: Emanuel Câmara
Na casa a arder em que se tornou o Partido Socialista, irrompeu das labaredas eleitorais, com a missão de apagar as chamas que Cafôfo ignorou, o bombeiro de serviço Emanuel Câmara. Não é a primeira vez que o Presidente da Câmara do Porto Moniz vem em socorro de Cafôfo. Já o tinha feito em 2019, quando aceitou ser barriga de aluguer da primeira encarnação de Cafôfo à frente do PS e volta a fazê-lo, agora em dose dupla, em 2025. Mais conhecido por grandes êxitos político-gastronómicos, como o arroz de lapas, Câmara é um candidato que pacifica as hostes internas, entretidas a planear o pós-Cafôfo, mas não entusiasma para além disso. Talvez por isso e na ânsia de mostrar serviço, Emanuel Câmara exigiu, em iniciativa de campanha, que a República assumisse os custos dos meios aéreos de combate a incêndios na Madeira. A intenção era boa, a exigência mais do que justa, só escapou ao candidato socialista um ou dois pormenores. O primeiro é que nos Orçamentos do Estado de 2018, 2019 e 2020, aprovados e executados por governos do PS, a República assumiu essa responsabilidade, mas nunca transferiu um euro para a Madeira. O segundo pormenor é que nos Orçamentos do Estado de 2022, 2023 e 2024, o PS votou sempre contra todas as propostas que queriam, depois de anos de incumprimento manhoso, obrigar o Governo da República a pagar os meios aéreos na Região. Emanuel Câmara quis fazer de bombeiro, mas tentou apagar o fogo no PS com gasolina legislativa. Quando se quer apagar um fogo político com factos esquecidos, o mais certo é que, cada vez que Emanuel Câmara abra a boca, o fogo pareça cada vez maior.