Cravos e Crises: o Caminho da Liberdade em Portugal

Portugal, 25 de Abril de 1974. Um país fechado sobre si próprio acordava, pela primeira vez em décadas, com a janela da liberdade escancarada. Os sons das sirenes misturavam-se com o tilintar da esperança. E nos canos das espingardas, onde antes cabiam ordens cegas, floresciam cravos vermelhos — um gesto simples que mudou o curso da nossa história.

A Revolução dos Cravos foi mais do que um golpe militar. Foi uma declaração de dignidade. Um grito silencioso que rasgou décadas de censura, medo e obediência forçada. O regime do Estado Novo, durante tanto tempo sustentado por um poder centralizado e autoritário, cedeu perante a determinação de homens e mulheres que ousaram imaginar uma sociedade onde pensar não fosse pecado e discordar não fosse crime.

Os rostos de Salgueiro Maia, Otelo Saraiva de Carvalho, António de Spínola, entre outros, são os rostos visíveis de um movimento mais profundo: o desejo incontornável de viver sem grilhões. Mas a verdadeira força veio do povo — aquele que saiu à rua, não com pedras ou violência, mas com flores e palavras. E com isso, disse ao mundo que a liberdade pode nascer sem sangue, se houver coragem.

No entanto, como tantas vezes na história, os primeiros passos fora da prisão foram trémulos. O PREC — Processo Revolucionário em Curso — mostrou-nos que a liberdade sem balizas pode ser sequestrada por novas formas de tirania. Houve quem, em nome de ideais nobres, tentasse moldar o futuro à força. Nacionalizações em massa, ocupações, tentativas de controlar a imprensa e de anular o pluralismo partidário. O risco era claro: trocar um jugo por outro, apenas com sinal trocado.

Foi então que, a 25 de Novembro de 1975, Portugal voltou a escolher. Escolheu não regressar à escuridão, mesmo que sob uma nova bandeira. Escolheu o debate em vez da imposição, a diversidade em vez da uniformidade, a tolerância em vez da obediência cega. Nessa madrugada, o país reafirmou que a liberdade só floresce onde há equilíbrio, onde os poderes se limitam uns aos outros, e onde ninguém detém o monopólio da verdade.

Com figuras como Ramalho Eanes, Pinheiro de Azevedo e Costa Gomes, a democracia portuguesa foi resgatada do abismo. E o projeto iniciado em Abril ganhou raízes, deixando de ser apenas um sonho romântico para tornar-se uma construção concreta, feita de eleições, imprensa livre, separação de poderes e respeito pelas diferenças.

Hoje, ao evocarmos Abril, não podemos esquecer Novembro. São dois capítulos do mesmo livro. Um deu-nos voz. O outro ensinou-nos a usá-la com responsabilidade.

Que nunca nos esqueçamos: a liberdade não se impõe — conquista-se. E depois protege-se.

Todos os dias. Não com medos nem com dogmas, mas com pensamento crítico, com responsabilidade individual e com a certeza de que o pluralismo não é fraqueza, é força.

Viva quem ousa ser livre — com coragem, com razão e com respeito pelos outros.

Porque só assim, cada um de nós, pode continuar a fazer a diferença.

José Augusto de Sousa Martins