O custo ambiental da IA
ONU alerta para impactos ambientais da economia digital cada vez mais severos
As últimas semanas têm sido férteis na criação de imagem com recurso à Inteligência Artificial (IA). Desde a transformação de fotografias em conteúdo com a estética do Studio Ghibli, à ‘starter pack trend’. Para desfrutar das mais-valias da IA convém perceber os custos associados à sua utilização, nomeadamente para o meio ambiente.
Sabia que a criação do GPT-3, um modelo de linguagem no qual o ChatGPT se baseia, consumiu directamente 700 mil litros de água potável para arrefecimento?
Em Julho do ano passado, as Nações Unidas partilharam a sua preocupação com o impacto “severo” que a IA e a mineração de criptomoedas têm no ambiente. Um estudo do Unctad – Escritório da ONU para o Comércio e Desenvolvimento revela consumo excessivo de energia e água potável de novas tecnologias digitais e acelerada extração de minerais.
O Relatório da Economia Digital 2024 alerta, ainda, para o facto de que estes impactos ambientais da mineração, da poluição e do descarte de resíduos digitais são sentidos desproporcionalmente em países em desenvolvimento.
O consumo global de energia relacionado à mineração de Bitcoin aumentou cerca de 34 vezes entre 2015 e 2023, atingindo 121 Terawatts. No caso da Microsoft, estima-se que a aprendizagem do GPT-3, um modelo de linguagem no qual o ChatGPT se baseia, consumiu directamente 700 mil litros de água potável para arrefecimento.
A 27 de Março, no pico da criação de imagens AI, o próprio CEO da OpenAI, Sam Altman, partilhou na sua conta do X alguma preocupação com a alta procura pela transformação de imagens, ironizando que as unidades de processamento gráfico da empresa estavam a "derreter"
O Unctad mostra-se preocupado com a possibilidade de se esgotarem matérias-primas finitas para tecnologias digitais, com o aumento do consumo de água e energia e a crescente questão dos resíduos relacionados à digitalização.
Os países em desenvolvimento são fundamentais na cadeia de fornecimento global de minerais e metais de transição. O continente africano detém reservas significativas, que incluem 55% do cobalto mundial, 47,65% do manganês, 21,6% do grafite natural, 5,9% do cobre, 5,6% do níquel e 1% do lítio. Segundo o Banco Mundial, a procura por recursos necessários para a digitalização, como grafite, lítio e cobalto, pode aumentar cinco vezes até 2050.
Também o Brasil possui grandes reservas de minerais de transição, incluindo 26% do grafite natural, 19% de elementos de terras raras, 14% do manganês, 12% do níquel e 9% da bauxita. O estudo destaca o impacto da mineração em ecossistemas naturais. Cerca de 11.670 km2 do desmatamento da floresta amazónica brasileira, observado entre 2005 e 2015, foi causado pela mineração. Um total de 9% da perda total de floresta durante esse período.
O estudo realizado pela ONU conclui, então, que embora a digitalização impulsione o crescimento económico global e ofereça oportunidades aos países em vias de desenvolvimento, são eles que suportam um “fardo desproporcional”.
A secretária-geral do Unctad, Rebeca Grynspan, sublinha a necessidade de uma abordagem equilibrada. O intuito será aproveitar o “poder da digitalização para promover o desenvolvimento inclusivo e sustentável, mitigando ao mesmo tempo os seus impactos ambientais negativos”.
É, então, necessária uma transição para uma economia digital circular, caracterizada pelo “consumo e produção responsáveis, pela utilização de energias renováveis e pela gestão abrangente dos resíduos eletrónicos”, dando prioridade à reciclagem, reutilização e recuperação de materiais digitais. Grynspan acredita que o crescente impacto ambiental da economia digital “pode ser revertido”.