Angústia indisfarçável
A estabilidade que tanta falta faz à Região e ao País não se compadece de fingimento, alienação ou ilegalidade. Nem de suspeições, favores ou conflitos de interesse. Por isso, as crises instaladas, sempre que as eleições não geram maiorias, nem soluções de governo robusto e capaz, tendem a ser prósperas e infinitas.
Quem ainda tinha dúvidas, ficou esclarecido na noite de ontem. Não tanto pelo que foi dito pois, na política alegadamente ingrata - porque paga mal, é excessivamente escrutinada e demasiado exigente -, as palavras convivem mal com o vento, as contradições abundam e o contraditório em tempo real liquida qualquer discurso mil vezes ensaiado. Mas sobretudo por tudo aquilo que fica para a história, como recomendação em ‘prime time’ para os imprudentes que se candidatam a cargos públicos presumindo de forma ‘naif’ que nunca serão confrontados com uma qualquer “situação desagradável”, com um negócio suspeito, com fotos comprometedoras e com provas irrefutáveis. Ou como bom conselho aos ambiciosos aparentemente ingénuos que falam a eleitores em quem dizem confiar, mas que nunca lhes olham na cara, nem respondem às mais elementares questões que colocam. Ou ainda como um guião para os próximos sufrágios, o que vem aí, já a 23 deste Março incerto, o autárquico em Setembro ou Outubro e talvez, pelo meio ou nessa mesma altura, as legislativas nacionais. Da noite em que Luís Montenegro foi politicamente demitido por quase todos os líderes dos partidos com representação parlamentar sobra a certeza que nem o pretenso Portugal maravilhoso é suficientemente redentor para quem tentou remediar o inevitável, como se um Primeiro-Ministro em funções pudesse estar ligado a uma empresa familiar que trabalha, como todas as outras, mas que recebe avenças vivas de empresas privadas, mesmo que não veja a cor do dinheiro, não decida em proveito próprio e só quer o sucesso dos filhos. Bastou Pedro Nuno Santos anunciar que não viabilizará a moção de censura do PCP ao Governo, reiterando que votará contra uma moção de confiança caso o executivo a apresente, para que a soma das partes garantisse que este Governo cai e com estrondo, dentro de momentos, mais pela forma como quis chegar ao fim, do que pela sede de vingança de alguma oposição precipitada.
Em Dezembro na Madeira o expediente foi diferente, embora com resultado idêntico, pelo que comprovadamente está a dar resultado imediato a criticada instalação da mediocridade e a tentativa desesperada para que a política fique sem os mais disponíveis, porventura os mais capazes, dado o ambiente de suspeição instalado, importa dizê-lo, muito à conta de um conjunto de inabilidades, descuidos e escândalos de protagonistas com responsabilidades acrescidas, mas cautelas diminutas.
Cuidem-se por isso os que ambicionam ser eleitos e se julgam imaculados, mas que, com rabos de palha, passado manchado e futuro duvidoso serão alvo apetecível da perseguição desenfreada aos titulares de cargos públicos, desencadeada pelos seus pares preteridos.
Cuidem-se os que se julgam intocáveis, protegidos pelo sistema ou pelo anonimato, mas facilmente vulneráveis na hora do ajuste de contas.
Cuidem-se os empenhados em mexer mais com os madeirenses, estranhamente comedidos e apáticos perante as posturas demagógicas, surreais ou ‘tiktokianas’ de candidaturas que tardam em entusiasmar. Não basta ser sério.
As eleições não deviam ser reles bailes de máscaras, mas pelo que se vai ouvindo na capoeira política e do comentário amnésico, há quem não consiga disfarçar.