Espectáculo político ameaça ofuscar o verdadeiro debate
Carina Ferro, gestora de projectos e consultora, mede a temperatura política ao sexto dia de campanha
As eleições regionais antecipadas, marcadas para 23 de Março, decorrem num ambiente saturado de promessas sumptuosas e de retórica inflamada, onde o espetáculo político ameaça ofuscar o verdadeiro debate sobre o futuro da Região.
Como referem os autores G. Sartori (Homo Videns, 1997) e B. Manin (Principes du Gouvernement Représentatif, 1995), a política contemporânea tornou-se refém da lógica mediática (reduzida a likes e partilhas nas redes sociais) e da caça ao voto fácil, em detrimento de uma reflexão séria sobre as condições de governabilidade.
O que se observa na Madeira não foge a esta lógica: os candidatos reciclam propostas uns dos outros sem um real compromisso com a sua exequibilidade, reforçando o ciclo de desilusão do eleitorado. Este fenómeno não é inédito, mas ganha especial relevância num momento de crise política, onde a confiança nas instituições já se encontra fragilizada.
A literatura sobre liderança e populismo destaca aquilo que estamos a testemunhar: a ausência de debate sério e o apelo às emoções em detrimento da racionalidade política degradam a qualidade do debate e, em última instância, da democracia. Acresce uma ausência de coerência ideológica que transparece alguma ânsia na corrida desenfreada por votos. Esta tendência reflete-se no discurso dos candidatos, que prometem soluções rápidas para problemas complexos, ignorando a complexidade da implementação de soluções para, por exemplo, listas de espera ou altas problemáticas – há problemas que não se resolvem com um estalar de dedos.
O cenário de ingovernabilidade que surgiu com a possível repetição dos resultados eleitorais de maio de 2024 trouxe a debate a necessidade de os candidatos se pronunciarem sobre a sua disponibilidade para viabilizar governos de maioria relativa, à direita, ou novas soluções governativas, desta feita, à esquerda. Curiosamente, o debate inicial ficou marcado pela possibilidade de viabilização de soluções governativas com base em pura aritmética parlamentar. De forma rápida e previsível, este debate escalou para um quadro de linhas vermelhas traçadas de parte a parte, que indiciam sérias dificuldades na formação de um novo governo de maioria relativa, seja à esquerda, ao centro ou à direita. Resta saber se os candidatos cumprirão com a sua palavra quando dizem que irão respeitar a decisão dos eleitores.
O eleitorado apresenta-se cada vez mais cético em relação às promessas dos candidatos. A demagogia e falta de noção na apresentação de algumas das propostas têm alimentado esta indiferença em relação ao ato eleitoral que se avizinha.
Uma campanha dominada por promessas irrealistas, com discursos que se limitam assumir que fazer diferente é fazer melhor e que quanto mais se promete, mais votos se obterá, é uma campanha condenada ao fracasso. Aliás, P. Norris (Democratic Deficit, 2011) é peremptória na sua análise: quando os eleitores percebem que as promessas não se traduzem em acções concretas, o afastamento do que acontece em política torna-se inevitável. A 23 de março, os madeirenses não decidirão apenas quem elegem para o parlamento regional e que partido deve governar, mas também se ainda acreditam que o voto pode ser a sua voz e se aquele em quem depositam o voto é merecedor dessa confiança.
À medida que a campanha se aproxima do fim, algumas candidatutas permanecem à margem do debate central, incapazes de se afirmar num espaço saturado de disputas pelo espaço mediático. Partidos com menor expressão lutam para captar a atenção de um eleitorado desgastado, mas a falta de propostas fundamentadas e a aposta em discursos populistas deixam-nos relegados ao papel de meros figurantes. André Freire defendia que a representação política eficaz exige coerência programática e diferenciação clara, algo que algumas destas forças políticas não conseguem apresentar. Importa ter em consideração que quem não consegue marcar posição com propostas sólidas, acaba por ser ignorado.