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11 de Março de …5

O dia 11 de Março é um dia histórico.

Foi neste dia que duas facções com visões diferentes sobre qual o caminho que devia ser percorrido pelo País se defrontaram. Defrontaram-se de uma forma nunca dantes vista: com debates a serem televisionados em directo e com os argumentos a serem dirimidos perante um povo estupefacto com o que se estava a passar.

(Goodfellas é um filme de 1990 de Martin Scorsese, com Ray Liotta, Robert de Niro e Joe Pesci como protagonistas. Conta as venturas e desventuras de um grupo de rapazes, “tudo bons rapazes” como lhes chama o título que foi dado em Portugal, que desde a adolescência começam a militar nas juventudes das organizações que lhes estavam mais próximas e lhes eram familiares, e que vão crescendo em importância dentro dessas organizações até chegarem a posições de chefia. A páginas tantas, as ambições de uns colidem com as ambições de outros e, como seria de esperar, os desentendimentos acentuam-se e extremam-se)

Voltando ao dia 11 de Março, o País assistiu em directo a um episódio de “troca de galhardetes” e negociações que normalmente só acontecem no imaginário de um bom roteirista ou de um bom realizador como Scorsese! De um lado estavam uns, insurrectos que queriam que a situação fosse modificada pela força, e do outro estavam outros que defendiam que o caminho que defendiam era o correcto e que estava de acordo com todo o trabalho que tinha sido executado até então.

Que não, diziam uns

Que sim, diziam os outros

E o impasse gerou-se, sempre debaixo do olhar atento do repórter e da câmara de televisão acompanhante.

Transcrição:

Oficial 1 – em breves palavras, se quer que lhe diga as origens disto, não sei. O comandante dos paras, pá, segundo o gajo me disse, a mim, quando veio agora falar connosco, que está do nosso lado, que foi metido em quatro helicópteros e o mandaram para aqui. E de repente, pá, os gajos, pá, aparecem aqui duas companhias de paras, lançadas por Nordatlas, e eu não sei, pá…

Repórter – para atacar o RAL 1.

Oficial 1 – para atacar o RAL 1, pá. Antes disso, fomos bombardeados pela Força Aérea, pá.

A conversa flui até chegar o Oficial 2 – ah, sei, sei. Bombardearam-me o quartel! Feriram-me homens, traçaram-me aquilo tudo, à traição… à traição, não… De surpresa, digamos. Aceitamos, faz parte do princípio militar.

A conversa flui mais ainda, sempre sob o olhar atento da câmara de televisão, até que o Oficial 3 (o chefe dos atacantes) diz:

- Eu recebi ordens para ocupar a vossa unidade.

- Mas de quem ? – questiona o Oficial 2 (comandante dos sitiados)

- Do meu comandante – retruca o Oficial 3.

- Pois – diz o Oficial 2 - mas nós temos ordens, também do meu comandante, como deve calcular, para não vos deixar ocupar…

- Por isso mesmo, eu procurei, nesta fase da operação, dialogar primeiro, para evitar mortos…, conclui o Oficial 3.

A conversa segue o seu curso até chegarem a um consenso, terminando ambas as partes em abraços no final de um dia que ficou para a História do País, um dia em que se conseguiram evitar males maiores eventualmente causadores de prejuízos humanos e patrimoniais de valor incalculável.

Foi a 11 de Março de 1975 e teve consequências que se sentem ainda hoje.

Noutro 11 de Março, bem mais recente, como no outro dia 11/03, em directo e com direito a comentários pelos vários repórteres presentes, o País assistiu atónito a um extremar de posições por parte de quem pugna trabalhar para um bem comum, que mais pareciam uns quantos de “bons rapazes”, quais personagens de um filme de quarta categoria, longe, muito longe de poderem ser equiparados aos “goodfellas” de Scorsese, e incomensuravelmente distantes dos Oficiais que, sendo de facções diferentes, quase antagónicas das Forças Armadas de 1975, quando quase tudo era permitido e as ideologias eram predominantes, conseguiram ter o bom senso de evitarem males maiores. Não quero com isto dizer que estou de acordo com o rumo que o País levou em 1975, porque não estou (conheço uma empresa cá da ilha que foi nacionalizada e está agora nas mãos de privados que se valeram de desmandos post revolucionários de uns quantos “bons rapazes” para se apropriarem de bens que nunca lhes pertenceriam), mas compreendo as negociações de então, e não compreendo as negociações de agora.

O bem senso tem de prevalecer nas tomadas de decisões por parte dos ditos representantes do povo, mesmo que isso lhes seja pessoalmente difícil de aceitar, para que o sentimento de que são “tudo bons rapazes” como os “Goodfellas” de Scorsese não se instale no povo que neles vota. Também espero que o bom senso prevaleça num outro dia deste Março, e que, independentemente dos resultados apurados, não fique a sensação de que são também poderão ser “tudo bons rapazes”.

Nota: os diálogos transcritos acima estão publicados na revista Visão do dia 06/03. Fico grato.