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"Não há estabilidade nem compromisso quando se afasta os seus"

Professora Liliana Rodrigues assina o segundo 'Barómetro de Campanha'

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Semanalmente durante a pré-campanha uma personalidade por nós convidada mede a temperatura política

A professora e investigadora Liliana Rodrigues assina o segundo 'Barómetro de campanha'. Responde à questão: O que tem a campanha de escaldante, quente, morna e fria?. E sobretudo demonstra a dificuldade de comunicação dos diferentes partidos. Inclusive "daqueles que ainda não perceberam que não ganham sem todos".

Os que resistirem aos fact-checkers

A desinformação é uma armadilha que nos morde a todos, inclusive aos que dela fazem uso. A informação falsa, embora muitas vezes usada como ferramenta para manipular a opinião pública, pode facilmente se voltar contra aqueles que a propagam. Um exemplo clássico é o da propaganda política baseada em notícias falsas.

Quando líderes ou grupos políticos espalham informações distorcidas para desacreditar adversários há o risco de que a mentira seja desmascarada, comprometendo a oposição dos próprios responsáveis. Em 2016, por exemplo, a campanha do Brexit usou dados enganadores sobre investimentos da União Europeia no Reino Unido, mas, após a vitória do referendo, a falsidade das alegações foi exposta, gerando descrença e desconfiança até entre os seus apoiantes. Assim, uma estratégia inicialmente vantajosa pode se transformar num “tiro no pé”. Algumas vezes, é anúncio da sua morte. Já assistimos a alguns desses tiros e mortes e todos sabemos, inclusive os candidatos, o que não queremos de um político e de um governo.

O que se espera de um governo é que saiba “governar contextos complexos, enfrentar os riscos, antecipar o futuro, gerir a incerteza, garantir a sustentabilidade ou estruturar a responsabilidade (...) (Innerarity, 2019, p. 172). As ficções políticas e as construções narrativas espetacularizadas, derramadas em redes e blogues, viram-se contra os próprios quando a democratização da opinião tem a mesma medida da desorientação sobre os factos.

“Daí que seja muito saudável ter surgido ultimamente um tipo de jornalistas a que foi dado o nome de fact-checkers, os profissionais que se encarregam de verificar as afirmações dos políticos (Innerarity, 2019, p. 33). Será por aqui que o caldo da campanha vai ou não queimar alguns.

Perder a confiança na política é uma questão valorativa que nos torna impotentes e reféns de uma história perversa, assente no desânimo coletivo e nos tribunais da denúncia anónima, em que todos estão no pelourinho. A verificação de factos ajuda a expor a manipulação política e a responsabilizar os candidatos pelas suas afirmações e ações.

O uso de informações falsas, as fake news, para justapor as políticas públicas ou atacar adversários é, agora, um risco enorme. Ao desmentir essas polémicas, com base em fontes confiáveis, os fact-chekers (como é o caso do DIÁRIO) fortalecem a transparência e a democracia.        

Os que perceberem o conceito de discrição política

A contradição discursiva de estarem constituídos arguidos no governo e o alerta do mesmo sobre a “necessidade” manter “este rumo”, em menos de 24h, é um indicador de uma democracia que sobrevive a sistemas assentes em comportamentos individuais. Isto é, os regimes democráticos são independentes da fulanização da política. “Por isso a democracia tem de ser pensada como algo que funciona (...) e que sobrevive se a inteligência do próprio sistema compensar a mediocridade dos atores (...). (Innerarity, 2019, p. 187)”.

O “crescimento económico, a empregabilidade positiva e redução fiscal e o controlo da dívida pública” não escondem a perceção da ideia de corrupção que paira, neste momento, na Região.  É certo que a condição de arguido, e pelo direito fundamental da presunção da inocência, não significa culpa. Mas significa que, nesta fase, é preciso “parecer” e recolher-se numa discrição que não exponha, ainda mais, os próprios partidos que têm elementos sob o escrutínio da Justiça.

Por outro lado, não é possível querer contar com todos e, ao mesmo tempo, dizer que quem quer a “mudança não tem nada na cabeça”. “Mudar para pior, só quem não tem nada na cabeça”, dito por um candidato, faz lembrar velhos tempos em que o pensamento divergente não só era desconsiderado como era perseguido. Não sei se será muito inteligente seguir com este discurso durante a campanha.

Seja como for, convidar para número dois o principal adversário interno é sinal de inteligência política. Aceitar ou não, dependerá do ónus a que o convidado está preparado e disponível para se responsabilizar.

Os que ainda não perceberam que não ganham sem todos

Congressos, Debates, Estados Gerais e Específicos numa altura em que os partidos deveriam estar focados na campanha e na apresentação de ideias e políticas alternativas são indicadores de que ainda não há um quadro programático sólido pensado. O analfabetismo maior é aquele que compactua com a farsa da impossibilidade da alternância dentro do seu próprio corpo e que se alimenta de uma política cadavérica, isto é, sem alma.

O desgaste da tarefa da manutenção das cadeiras, há muito ocupadas, mostra ao que vem a liderança que não cria um ambiente de confiança e de proteção. Não ser capaz de convidar as vozes dissonantes para a mesa dos trabalhos é revelador de uma falta de inteligência política que se paga caro, mais tarde ou mais cedo. Não há estabilidade nem compromisso quando se afasta os seus.  A irritação da existência do pensamento que não se agacha, com recados de dentro para fora (e em alguns casos, de profunda inabilidade emocional), dá-se por conta da vaidade daquilo que já não se tem: verticalidade de se ser e abraço de camaradagem.

Fazer uma relação “entre governar e distribuir favores” é imprudente depois das notícias que vieram a público sobre favorecimentos de familiares em gabinetes de estruturas partidárias. Será tão melhor e mais bem-sucedido quem conseguir trazer para junto de si os que lhe enfrentaram por disputa de posição, não ideológica, mas de gestão interna do partido.

O discurso pouco claro, por parte dos que vivem de um espelho opaco, será determinante para o eleitor optar, nos cartazes de todos os dias, por aqueles que tenham na imagem a ideia de união, inclusive entre irmãos.

“O aplauso é o ídolo da vaidade” (Aires,1991, p. 45) e requer maior cuidado em termos de comunicação dos candidatos que temem sombras que são suas. Além dos primeiros cartazes de campanha serem cerrados, a mensagem é confusa e, em alguns momentos, sem enquadramento legal inteligível.

Dos que já não se lembram da sua natureza

De quem se espera irreverência e indignação terá de desviar o olhar e centrar-se naquilo que é o seu núcleo ideológico: ambiente, sustentabilidade e proteção animal. A irreverência da juventude pode ser uma ferramenta poderosa para ganhar eleições, especialmente quando bem canalizada para mobilizar concorrentes, desafiar o status quo e trazer novas ideias ao debate político.

A autenticidade da linguagem será um instrumento fundamental para a criação de um sentimento de proximidade e identificação dos eleitores. A irreverência também significa a coragem de enfrentar temas sensíveis e desafiar lideranças fundamentadas e instaladas. Esta insubordinação pode ser uma vantagem estratégica nas comunidades que, como a nossa, passam por momentos de exasperação.

 Precisamos de quem saiba fazer acordos e que em campanha não dificulte o futuro de compromissos. Ganhar ou perder o voto, dependerá do modo como cada um tratar o seu adversário.