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O Medo: o inimigo que nos torna corajosos

O medo é uma emoção universal, mais antiga que a própria Humanidade, que muitas vezes nos impede de agir, paralisa-nos diante do desconhecido ou faz-nos recuar diante do perigo. Mas há uma ironia poderosa no medo: ele não é apenas o inimigo da coragem, mas é também a base sobre a qual ela se constrói. Não há coragem sem medo. A coragem não é a ausência de medo, mas a capacidade de enfrentá-lo e superá-lo.

Péricles, grande estadista ateniense, ilustra bem essa relação paradoxal entre medo e coragem. Durante uma campanha militar, as suas tropas ficaram aterrorizadas com uma tempestade. Relâmpagos cortavam o céu, trovões ressoavam como gritos de fúria divina, e os homens acreditavam estar diante de um presságio terrível. Péricles, com a sabedoria prática que o tornou um dos líderes mais reverenciados da Grécia Antiga, reuniu os seus homens e fez algo notável: pegou em duas pedras e bateu-as uma contra a outra, reproduzindo o som do trovão. Explicou que o barulho que tanto temiam não passava de um fenómeno natural, algo tão simples como as rochas chocando. O medo dos soldados diminuiu, e eles puderam seguir em frente.

Esta história contém uma lição essencial: o medo cresce na imprecisão e na incerteza. Quando algo nos assusta, a nossa mente tende a amplificar a ameaça, tornando-a maior e mais perigosa do que realmente é. O trovão que assombrou os soldados de Péricles não era mais ameaçador do que o som das pedras, mas, sem compreensão, parecia um presságio apocalíptico. Esse é o poder do medo: ele distorce a realidade.

A coragem, então, exige mais do que força ou ousadia. Ela exige clareza. É preciso encarar os nossos medos com uma mente lógica e racional, examinar as suas raízes e determinar a sua verdadeira magnitude. Quando iluminamos o que é obscuro, as sombras do medo dissipam-se. Não se trata de ignorar o medo ou fingir que ele não existe, mas de defini-lo. Como disse Séneca, «um golpe para o qual não estamos preparados dói mais que tudo». Antecipar os desafios e compreendê-los reduz o seu impacto emocional e dá-nos as ferramentas para defrontá-los.

Essa prática de enfrentar e explorar os nossos medos tem sido defendida ao longo da História. Na filosofia estóica, ela é conhecida como premeditatio malorum - a premeditação dos males. Séneca recomendava trazer à consciência os possíveis infortúnios da vida para se preparar para eles. Em psicoterapia, a descatastrofização é uma excelente intervenção, que coloca em cima da mesa os maiores e mais ansiogénicos medos/pensamentos do paciente, permitindo reduzir o seu impacto emocional, elaborar soluções, antecipar estratégias, e uma avaliação mais racional da realidade, reduzindo ansiedade e stress.

Enfrentar o medo exige coragem, mas também oferece liberdade. Ao delimitar os contornos daquilo que nos assusta, podemos estabelecer limites para a sua influência. Podemos reconhecer que nem todo o medo é justificado e que, muitas vezes, é apenas um reflexo do desconhecido. Não há maior libertação do que a compreensão. Como Péricles mostrou, o medo pode ser tão simples quanto o som de duas pedras colidindo. Só precisamos encontrar a clareza para ouvir.

O medo não é nosso inimigo porque existe, mas porque muitas vezes o deixamos não examinado. Quando ignoramos ou reprimimos aquilo que nos assusta, damos mais espaço para que cresça e domine a nossa mente. Assim, da próxima vez que sentir medo, não desvie o olhar. Examine-o. Decomponha-o. Descubra se ele é tão grande quanto parece ou se, como o trovão, é apenas um som sem substância. Afinal, o que nos diferencia não é a ausência de medo, mas o que fazemos diante dele.