A (in)justiça social e o voto
Amanhã, 20 de fevereiro, dia de tão má memória, é também o Dia Mundial da Justiça Social.
Assim, com o pretexto das próximas eleições legislativas regionais na Madeira, que ocorrem daqui a perto de um mês, vivemos um tempo ideal para refletir sobre o papel da justiça social para a edificação da nossa Região.
No atual contexto, penso que, mais do que discutir o que é a justiça social em termos filosóficos, importa-nos, quase em plena campanha eleitoral, pensar para onde e como estamos a caminhar em direção ao futuro. E, nessa caminhada, julgo ser unânime a importância dada à justiça social e ao desenvolvimento sustentável como pilares fundamentais para uma Madeira mais justa, próspera e segura.
E o que se entende, de forma simples, por justiça social? Quando falamos de justiça social pomos a ênfase na garantia de acesso dos cidadãos aos recursos e benefícios da sociedade em que vivem, sem que se verifiquem discriminações ou privilégios injustos. E não estamos apenas a nos referir a recursos em termos materiais, mas também de igualdade de oportunidades, de acesso a serviços básicos como a Educação e a Saúde, além da proteção dos direitos civis e políticos, com completo respeito pela dignidade e diversidade de cada um. Em suma, tornar realidade a tão propalada frase de “não deixarmos ninguém para trás”.
Olhando para a Região que hoje somos, apesar da evolução positiva e das melhorias significativas a todos os níveis, ainda temos uma imagem de uma Madeira e Porto Santo desiguais.
E nessas desigualdades, constatamos que entre os mais vulneráveis estão as famílias em que a questão da habitação, já de si difícil, tornou-se, em alguns casos, insuportável e completamente inacessível, penalizando não só os mais desfavorecidos, mas também a chamada classe média.
Com o aumento da esperança de vida, apesar de ser um claro sinal de progresso civilizacional, ainda não conseguimos, por vezes, dar resposta cabal e atempada a necessidades prementes dos nossos idosos no acesso a cuidados de saúde e sociais.
Mesmo com o desemprego a diminuir, surge uma nova e preocupante realidade, em que ter trabalho nem sempre é suficiente para sair de uma situação de fragilidade social. Neste campo, é fundamental continuar a privilegiar a Educação, o elevador social por excelência, e uma área fulcral para quebrar os ciclos de pobreza.
Cada vez é mais visível a necessidade de atender à problemática das migrações, seja a emigração dos nossos jovens em busca de condições de vida que lhes permitam aspirar a um futuro melhor, seja a imigração de quem nos procura com esperança numa vida também melhor.
Meros exemplos, mas que traduzem uma realidade em que ainda há muito por fazer.
Contudo, embora se trate de um retrato que a todos nos devia deixar preocupados, não se trata de pintar um cenário negro, até porque são (re)conhecidos os muitos e bons indicadores económicos e sociais que caraterizam a Região, mas antes assinalar o tanto que ainda há a caminhar e trabalhar pela coesão e bem comum enquanto sociedade, que permitam a cada um de nós alcançar a sua plena realização humana, com dignidade e liberdade.
Como podemos colmatar o hiato temporal entre o que desejamos enquanto sociedade e a realidade presente no nosso dia a dia? De forma a diminuir o fosso entre o futuro sonhado e o presente realizado, temos de priorizar a justiça social. Caso contrário, poderemos estar a caminhar para uma sociedade cada vez mais estilhaçada, marcada por crescentes conflitos e revanchismos, onde a falta de solidariedade pode intensificar a exclusão social. Realidade completamente inversa à que almejamos, onde predomine o bem-estar e qualidade de vida para todos.
Sem justiça social, comprometemos a própria democracia e afastamos a participação dos cidadãos na vida pública.
O que uma sociedade dita avançada deve privilegiar é a criação de condições de participação cívica, criando um ambiente de confiança e liberdade para todos os que querem ser membros ativos da comunidade, independentemente da sua ideologia. Uma das formas mais relevantes de participação cívica revela-se através do ato de votar nas eleições que elegem os representantes do povo na Casa da Democracia.
No xadrez político que se começa a desenhar como antevisão do resultado das próximas eleições regionais, parece-me pacífico pensar que nenhum partido ou coligação inicial conseguirá formar um governo maioritário. Nada de invulgar, nem na realidade regional, nem nacional e muito menos nas democracias avançadas um pouco por todo o mundo.
As alianças, coligações e acordos de incidência parlamentar pós-eleitorais avizinham-se no horizonte, com as mesmas peças a poderem encaixar em vários puzzles, pelo que, neste momento, está tudo em aberto.
Até pode surgir, desta vez com bases sólidas, uma “governação consensual”, feita de diálogo, responsabilidade e compromisso, respeitando as preferências demonstradas, através do voto, pelos eleitores.
No sentido de termos mais e melhor discernimento, que nos faça depositar nas urnas um voto informado, consciente e coerente, será importante a leitura dos diferentes programas eleitorais propostos pelas diferentes forças políticas, no sentido de concluirmos sobre a sua (in)compatibilidade com os nossos princípios e se dão resposta (ou não) às nossas preocupações e necessidades enquanto cidadãos. Claro que pode revelar-se mais aborrecido do que simplesmente ver e comentar os cartazes ou as publicações nas redes sociais. Mas temos de ir para além da espuma dos dias e da campanha de distração e desinformação.
Por outro lado, se optarmos pela abstenção, não exercendo o nosso direito, e dever, de votar, estaremos a escolher permanecer num silêncio cúmplice com tudo o que acontecer na nossa terra.
Ao votar, para além da expressão da nossa cidadania, estamos também a sinalizar qual o projeto de sociedade que queremos, tendo em conta os nossos princípios e valores.
Assim, votar no dia 23 de março é um meio privilegiado ao dispor dos cidadãos para influenciar o rumo a seguir nos próximos quatro anos.
Vote! Por si e pelas futuras gerações de madeirenses e porto-santenses.