A Madeira precisa de uma conversa sobre as alterações climáticas. Parte 2: Desafios até o ano 2075
A temperatura elevada será uma ameaça para a saúde, as ondas de calor em cima de 40oC vão matar especialmente idosos
Parte 1 deste artigo descreveu como o clima no Funchal em 2075 terá uma temperatura média de 24ºC e as terras altas terão metade da precipitação atual. Um clima bastante mais quente e seco, quase como o de Cabo Verde hoje.
A temperatura elevada será uma ameaça para a saúde, as ondas de calor em cima de 40ºC vão matar especialmente idosos. Novas doenças e mais mosquitos de Dengue e Malária migrarão para a Madeira. A agricultura precisará de se adaptar às novas condições e com a necessidade de arrefecimento dos edifícios.
A diminuição de precipitação nas terras altas da Madeira é uma preocupação porque é aqui que recarrega as formações aquíferas que produzem a maioria da água para abastecimento de água potável e para as levadas. Uma grande parte da água vem de galerias e túneis, como Rabaças e Rabaçal, e nascentes localizadas a maiores altitudes (>1000 m). A redução significativa de precipitação irá secar estas sistemas e as levadas.
Menos precipitação e o aumento da temperatura têm criado condições perfeitas para incêndios florestais. Os grandes incêndios já têm, desde 2010, ardida uma área superior a um total de 38.000 hectares, o que corresponde a mais de metade da área total da ilha de Madeira. Se os incêndios continuarem nos próximos 15 anos com a mesma frequência, a paisagem da ilha da Madeira será completamente diferente, porque a vegetação não conseguirá recuperar entre incêndios. Os incêndios queimaram 5000 e 5100 hectares em 2023 e 2024, respetivamente, indicando claramente que a situação está fora de controlo. Os incêndios terão também graves consequências para a infiltração da precipitação, aumentando o solo seco e aumenta também significativamente o risco de ocorrerem aluviões e derrocadas.
O aumento do nível do mar constitui uma ameaça para a costa do sul da Madeira que é muito pouco protegida. Lugares como o Paúl do Mar, Machico ou Fajã dos Padres estarão particularmente em risco. Sabemos que as tempestades ficarão bastante mais fortes por causa do aquecimento dos oceanos. Será só uma questão de tempo até uma tempestade vinda de sudoeste atingir a ilha da Madeira e provocar grandes danos.
Já existe uma Estratégia Clima – Madeira, Estratégia de Adaptação às Alterações Climáticas da Região Autónoma da Madeira (2015). Este relatório foi baseado na data de IPCC AR4 de 2007 e por isso já estava seriamente desatualizado quando foi publicado. Os próximos relatórios de IPCC, AR5 (2014) e AR6 (2023) contêm previsões climáticas muito mais negativas. Mesmo o último relatório do IPCC já está desatualizado por causa do forte aumento da temperatura global em 2023 e 2024. Por isso a Estratégia Clima – Madeira é bastante obsoleta e longe das previsões e dados climáticos que temos hoje em dia.
É importante perceber que as alterações climáticas não são uma coisa do futuro. São uma realidade atual. Estamos a viver no meio delas: o aumento da temperatura média do ar e a diminuição da precipitação já aconteceram durante 50 anos e vão continuar. Por isso devemos tentar prever as condições climatéricas para o futuro alargado e fazer um esforço para aumentar a resiliência da ilha contra as alterações climáticas. Na minha opinião, os principais desafios são:
Um plano de como lidar com temperaturas médias anuais até 24ºC de aqui a 50 anos, e particularmente ondas de calor até 45ºC. Áreas prioritárias de atenção devem ser a saúde, as infraestruturas, a agricultura, a vegetação e a paisagem.
Uma estratégia para abastimento de água, potável e para a agricultura, com 50% menos precipitação do que atualmente nas terras altas no ano 2075. Também um plano para aumentar a captação da água nas terras altas com vegetação, por exemplo no Paúl da Serra.
Uma estratégia muito mais eficaz e proactiva para controlar incêndios e para a proteção da Laurissilva, a património mais importante da Madeira.
Construções para a proteção de cidades e aldeias à beira-mar com risco de inundação elevado durante tempestades. Também planos de evacuação de população quando necessário.
Tudo isto não é apenas uma questão para os técnicos, engenheiros e geólogos. Os problemas que todos nós enfrentaremos vai mudar a sociedade da Madeira e é a responsabilidade dos decisores políticos de encontrar soluções que a população compreender, aceitar e adaptar-se para ganhar uma maior resiliência. No entanto, parece que as alterações climáticas desapareceram do discurso político. Na minha opinião, nós precisamos mesmo de “Uma conversa sobre alterações climáticas e o futuro da Madeira”. A alternativa é esperar que as calamidades e tragédias aconteçam e para depois tentar reparar as coisas. Isso pode custar vidas e também provavelmente será muito mais caro do que tentar prevenir as calamidades. Se eu tivesse filhos pequenos na ilha, ficaria muito preocupado com o futuro deles.