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Porque não?

Durante décadas, a Calheta habituou-se a crescer com os olhos postos noutras latitudes porque era de lá que vinham os exemplos. Sem euforias fáceis, sem anúncios grandiosos que não resistem ao tempo. Talvez por isso, quando olhamos para o percurso feito sobretudo a partir de 2004, o que se destaca não é um salto súbito, mas uma linha de progresso contínua, consistente, construída passo a passo. Um caminho que hoje nos permite fazer uma pergunta simples, quase desconcertante para alguns: porque não?

Hoje falo de cultura. Não por ser um luxo, mas porque é um dos sinais mais claros da maturidade. A cultura não surge do nada, nem se impõe por decreto. Constrói-se com persistência, com visão e, acima de tudo, com a capacidade de contrariar a ideia cómoda de que “aqui isso não resulta”. Durante muito tempo, a oferta cultural na Madeira esteve excessivamente concentrada. O acesso a exposições, espetáculos, concertos ou residências artísticas parecia reservado a um eixo limitado, como se o resto da Região estivesse condenado a assistir à distância.

A criação do MUDAS Museu de Arte Contemporânea mudou esse paradigma. A sua afirmação enquanto polo dinamizador foi decisiva para a descentralização cultural e para a democratização do acesso à criação artística contemporânea. O MUDAS não foi apenas um edifício marcante na paisagem. Foi, sobretudo, um sinal. Um sinal de que a Calheta podia ter um papel central na oferta cultural madeirense. Um sinal de que a cultura não tinha de estar confinada. Um sinal de que o público existia, desde que fosse respeitado, desafiado e chamado a participar.

Hoje, a agenda cultural da Calheta é rica, diversificada e, em muitos momentos, lotada. O que antes parecia megalomania revela-se, afinal, exíguo. O que outrora era considerado enorme tornou-se escasso. Não porque tenhamos errado na ambição, mas porque a realidade ultrapassou as expetativas mais otimistas. Este caminho não foi feito em solitário. Foi construído em parceria, em colaboração, trabalhou-se com agentes culturais, associações, escolas, músicos, artistas, criadores locais e externos. Houve trabalho e houve sobretudo a coragem de fomentar atividades que muitos consideravam impensáveis.

Hoje temos concertos que mobilizam milhares de pessoas. Temos um concerto de Natal que leva mais de duas mil pessoas a esperar duas horas para entrar no pavilhão dos Prazeres. Duas horas de espera voluntária, paciente, entusiasmada. Houve um tempo em que isto seria recebido com um sorriso condescendente e a frase habitual: “isso aqui não pega”. Pegou. E não foi por acaso. Perante este cenário, é inevitável que surja a pergunta. Porque não ir mais além? Porque não pensar, com seriedade e visão, na instalação de uma Casa da Música na Calheta? Um equipamento com todas as condições técnicas e acústicas para acolher espetáculos, concertos, ensaios, residências artísticas e eventos de maior dimensão. Dir-me-ão que existem outras prioridades. E existem. A habitação é uma delas, e não é esquecida. O melhoramento dos acessos continua a ser essencial. A agricultura, pilar da nossa história e da nossa economia, exige atenção permanente. Nada disso está em causa. Mas reconhecer essas prioridades não significa amputar o direito de pensar a cultura como investimento e não como adorno. A cultura não concorre com o desenvolvimento social, turístico ou económico. Complementa-o. Qualifica-o. Dá-lhe sentido.

Uma Casa da Música não seria um capricho, mas a resposta lógica a um percurso que já foi feito. Seria um espaço ao serviço da comunidade, da formação, da criação e da fruição cultural. Um espaço que consolidaria a Calheta como referência regional.

Sonhar não é irresponsável quando assenta em factos. E os factos mostram que a Calheta tem público, tem dinâmica, tem vontade e tem capacidade de concretização.

A pergunta, por isso, não deve ser se a Calheta pode sonhar. A pergunta certa é: porque não? Porque não acreditar que é possível? Porque não continuar a fazer caminho, com ambição serena, com sentido de responsabilidade e com a convicção de que um concelho cresce quando ousa imaginar-se maior do que aquilo que disseram que podia ser.

A Calheta pode, a Calheta deve e a Calheta já provou, mais do que uma vez, que quando almeja, faz.

Basta acreditar.