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Vira o disco e toca o mesmo

Entre o final de novembro e o início de dezembro assistimos, mais uma vez, ao ritual anual das escolhas das especialidades médicas. Recém-formados, heróis — perdão, sobreviventes — da Prova Nacional de Acesso (PNA), escolheram a sua especialidade e o hospital onde passarão os próximos anos… a aprender, a trabalhar, ou, com alguma sorte, a dormir ocasionalmente.

2025 contou com um “feito histórico”: pela primeira vez, houve mais vagas que candidatos. E mesmo assim, houve quem preferisse não escolher nada. Resultado final: 469 vagas desertas. O pior cenário de sempre — e não, não é exagero.

E onde é que ficaram as vagas por preencher? Precisamente nas especialidades que mais fazem falta ao país. Medicina Geral e Familiar a liderar o pódio, com 229 cadeiras vazias; Medicina Interna logo atrás, com 98. Medicina Intensiva, Hematologia, Saúde Pública, Oncologia Médica, Patologia Clínica… todas com lugares disponíveis como se fossem mesas num restaurante impopular. Farmacologia Clínica, coitada, nem um cliente. Até a recém-estreada Medicina de Urgência e Emergência, supostamente a menina bonita do setor, ficou com quatro vagas a sobrar. Um sucesso retumbante.

Perante esta realidade, com jovens médicos a rescindirem antes mesmo de aquecer a bata, talvez valha a pena perguntar: porque será que estas especialidades, tão essenciais ao SNS, são tão pouco atrativas? A resposta é chocante na sua simplicidade: basta olhar para as condições de trabalho que se oferecem no internato médico.

O interno é, na maioria dos locais, tratado abaixo de lixo — e isto sendo simpático. É condenado a turnos de urgência intermináveis, muitas vezes a trabalhar com especialistas que estão demasiado exaustos para ver doentes. Carrega às costas a burocracia que os superiores não querem fazer porque, lá está, também estão demasiado cansados. Recebe um salário que mal supera o mínimo, grande parte dele gasto em café para se manter desperto. Pelo menos poupa na renda, já que praticamente vive no hospital.

E depois perguntam-se por que razão ninguém quer ir para estas áreas, quando ser tarefeiro permite ganhar muito mais, controlar horários e evitar a teia burocrática do SNS. É preciso ser masoquista? Ou apenas demasiado idealista?

Esta é a triste realidade portuguesa. Um problema velho, com cheiro a mofo, que todos os anos se repete. E o governo olha, incrédulo, como se estivesse a ver isto pela primeira vez.

Caríssimos: ninguém está a tentar reinventar a roda. A solução não é aumentar vagas no internato, nem abrir mais vagas nas faculdades… Isso são politiquices baratas para atirar areia aos olhos do povo! Portugal já é um dos países da OCDE com mais médicos por habitante... O que falta — e tem faltado escandalosamente — é valorizar o internato, tornando-o decente, digno e formativo. Integrá-lo verdadeiramente na carreira médica. Dar aos internos tempo para estudar, condições para aprender e remuneração que não seja uma piada de mau gosto.

Dra. Ana Paula Martins, arrisque esta sugestão: melhore as condições do internato médico e, verá que no próximo ano, as vagas por preencher diminuirão drasticamente. Não é magia. É gestão.