DNOTICIAS.PT
Artigos

Balanços

Quando alguém pensa criticamente, a resposta raramente é o argumento. Surge antes o enxovalho

Dezembro é sempre um mês de alegria, de esperança e de avaliações. No fundo, tudo se reduz a balanços: do que foi, do que poderia ter sido e do que ainda há de vir. É um tempo de reflexão íntima que nos obriga a olhar para trás, porque a vida que se tem depende da vida que se constrói. E não há construção sem pensamento.

Pensar é sempre um ato exposto e vulnerável, porque acontece a partir da finitude de quem pensa. O ser humano vive sob a consciência da sua mortalidade, e é dessa condição que o pensamento emerge. Essa inquietação não é um erro; é a origem do pensamento. Pensar inquieta e desinstala, e é por isso que o pensamento autónomo incomoda. Quando não se acomoda, a reflexão crítica é facilmente confundida com ameaça.

Quando alguém pensa criticamente, a resposta raramente é o argumento. Surge antes o enxovalho: a desqualificação, o ataque pessoal, a injúria. O enxovalho funciona como substituto da dissuasão racional, próprio de quem não consegue refutar ideias e opta por atingir quem pensa. Trata-se de um mecanismo clássico de silenciamento simbólico, que antecede e ultrapassa a punição formal. Onde o pensamento exige confronto de razões, o enxovalho impõe-se como violência disfarçada de normalidade.

A história mostra que este mecanismo não é novo. Na Antiguidade, Bruto não matou César sozinho: rodeou-se de outros senadores que, em nome da República, legitimaram o ato. A traição não ganhou força apenas pelo gesto individual, mas pelo grupo que a tornou aceitável. A traição cresce quando encontra apoio, quando é partilhada, justificada e protegida por aliados. Quem trai com amigos não procura apenas benefício pessoal, mas legitimidade, diluição da culpa e força simbólica. O grupo funciona como proteção moral e como forma de intimidação.

Tal como no enxovalho coletivo, a responsabilidade dilui-se, a violência parece menor e a traição passa a ser vista como normal. O que não seria defensável individualmente impõe-se pela força do número, substituindo o argumento por pressão simbólica e o diálogo por um consenso fabricado.

É por isso que, no balanço do ano que finda, se impõe uma aprendizagem fundamental: nunca confiar em amigos que traem outros, mesmo quando essa traição parece, num primeiro momento, jogar a nosso favor. Quem normaliza a traição e participa no enxovalho não o faz por lealdade, mas por conveniência. E quem abdica do pensamento crítico em nome do grupo acaba sempre por trair algo mais fundo: a própria possibilidade de pensar com honestidade.

No fim, regressamos ao ponto de partida: dezembro é um mês de balanços — não apenas do que fizemos ou deixámos de fazer, mas da forma como pensámos, resistimos e escolhemos permanecer fiéis ao pensamento quando seria mais fácil calar. E quando uma voz te falar ao ouvido, convidando ao silêncio e à submissão, mantém a cabeça erguida: ela não teme as tuas conquistas, mas aquilo a que te recusas.

Boas Festas