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Análise

Greve, números e futuro

A semana ficou marcada pela greve geral, que voltou a colocar o conflito laboral no centro do debate público. Mais do que os efeitos imediatos, com serviços condicionados, alguns atrasos e incómodos previsíveis para residentes e visitantes, importa perceber o seu impacto real na economia da Região e, sobretudo, o que esta paralisação revela sobre mudanças mais profundas no mercado de trabalho.

De acordo com a informação tornada pública e amplamente noticiada, a greve não produziu efeitos relevantes na economia regional, mesmo que isso seja encarado com um dano colateral. Sentiu-se sobretudo nos sectores clássicos da Saúde e da Educação, em muitos casos como medida preventiva, numa lógica de alerta e de sinalização para o futuro. Ainda assim, a Madeira de hoje já não é a Madeira de outros tempos, tal como o País mudou. Os modelos tradicionais de organização do trabalho e de protesto social enfrentam um novo contexto, que não pode ser ignorado.

Do ponto de vista macroeconómico, os indicadores continuam globalmente positivos. O desemprego mantém-se em níveis historicamente baixos, um dado que, sendo relevante, não deve ser lido de forma acrítica. A realidade mostra um mercado de trabalho muito dependente de sectores sazonais, com forte peso do turismo, e salários que, em muitos casos, não acompanham o custo de vida. Há emprego, mas persiste a precariedade, a instabilidade e a dificuldade em construir percursos profissionais duradouros.

O turismo, principal motor da economia madeirense, continua a registar bons níveis de procura e a bater recordes. Uma greve não compromete o sector, mas funciona como sinal de alerta para os limites de um modelo excessivamente concentrado numa única actividade.

Outro dado que merece atenção é a evolução do Rendimento Social de Inserção. A descida dos valores pode ser interpretada como sinal de melhoria social, mas levanta também dúvidas legítimas. Estarão menos pessoas em situação de exclusão ou estaremos perante critérios mais restritivos e respostas sociais que não acompanham novas formas de pobreza, mais difusas e menos visíveis? Muitos trabalhadores, apesar de empregados, vivem com dificuldades reais, numa zona cinzenta que raramente aparece nas estatísticas.

É também por este prisma que a greve deve ser analisada. Não apenas como instrumento reivindicativo clássico, mas como reflexo de um mercado de trabalho em transformação. As gerações mais novas já não encaram o emprego como um compromisso para a vida. Há maior mobilidade, maior abertura à mudança, ao trabalho remoto e à emigração temporária ou definitiva. A globalização deixou de ser um conceito distante e passou a fazer parte do quotidiano, também na Madeira.

O problema é que esta nova realidade convive com estruturas antigas. Persistem carreiras rígidas, progressões lentas, qualificações desajustadas e uma formação profissional que nem sempre responde às necessidades reais do mercado. Sem investimento sério e contínuo na qualificação, a Região arrisca aprofundar desigualdades que hoje se sentem nos salários e que amanhã se reflectirão de forma ainda mais dura nas reformas.

As assimetrias que hoje se observam entre pensionistas são o reflexo directo de carreiras contributivas muito desiguais. Coexistem pensões elevadas com outras que mal permitem uma vida digna. Se nada mudar, o futuro poderá ser ainda mais desequilibrado. A resposta não está apenas no conflito laboral, mas numa estratégia integrada que aposte na formação, na valorização do trabalho qualificado, na mobilidade e em políticas públicas capazes de antecipar, e não apenas reagir.