Conto de Natal
Maria e os irmãos voltaram a fazer broas de mel. Era Natal outra vez. Como antes!
Era Natal e, num lugar pobre e recôndito da ilha da Madeira, algumas tradições da época ainda conseguiam envolver magicamente as crianças. À volta da mesa, Maria e os seus irmãos reuniam-se, como todos os anos, para fazer bolinhas de massa que se convertiam em deliciosas broas de mel.
Por ser a sua altura do ano favorita, a menina aguardava-a sempre com muita emoção. Ajudava a família a montar e a decorar a árvore, a fazer o presépio e a colocar as gambiarras na varanda. Desesperava pelo dia em que iria ao Funchal ver as luzes, andar no parque de diversões e ir ao circo. Adorava o Natal!
Nesse ano, a visita de Eva, uma tia da mãe, chamou a atenção de Maria. A forma como aquela senhora citadina se apresentara, bem vestida e com um telemóvel e um tablet de ecrãs brilhantes nas mãos, fez Maria desejar um dia ser como ela. A sua admiração não passou despercebida. Poucos dias depois, numa nova visita, Eva oferecera à menina uma prenda que a deixara radiante: um telemóvel com acesso à Internet.
- Ela só tem 10 anos… Para que precisa de um telemóvel? – Questionou o pai.
- A tia Eva disse que todos os meninos do Funchal agora têm… – Explicou a mãe.
Desde então, tudo mudou.
Maria rapidamente se adaptou ao novo aparelho. Instalou várias aplicações e criou perfis em diversas redes sociais, mentindo sobre a sua idade. Como Maria, os irmãos e os outros meninos daquele local idílico, outrora sem Internet, foram recebendo telemóveis e, à medida que se envolviam mais e mais, iam abandonando, pouco a pouco, as suas rotinas e tradições. Não só no Natal, mas durante todo o ano. Preferiam ficar absorvidos em apps como o TikTok, a fazer scroll infinito e a acreditar em tudo o que os algoritmos e a publicidade personalizada lhes mostravam. E os pais, amorfos, não viam nada de mal nisso:
- O meu filho passa horas nos jogos!
- A minha fica entretida. Nem sei o que tanto vê…
- Deixá-los. Pelo menos não nos enlouquecem!
E, de repente, já era Natal outra vez.
Maria achou que já era demasiado crescida para participar nas aborrecidas atividades da época. Inevitavelmente, comparava as suas simples decorações e hábitos natalícios com as imagens e os vídeos requintados – ainda que forjados – que via no ecrã e sentia-se triste e frustrada. Odiava que os seus pais não tivessem mais recursos.
Como Maria, todas as crianças trocaram o brilho das luzes pelo fulgor do ecrã. Andavam desgostosas e deprimidas. Preferiam ver as iluminações do Funchal através do telemóvel ou apenas iam para tirar uma selfie e publicá-la nas redes sociais.
No centro daquela localidade, onde outrora se viam rostos felizes no parque infantil, sentavam-se nos bancos ou passeavam crianças-robôs de olhar fixo no ecrã.
Porque era Natal, a tia Eva regressou à sua terra. Maria mal lhe falara. Só queria estar agarrada ao telemóvel. Os irmãos de Maria jogavam online com estranhos e nem a cumprimentaram.
Eva ficou em estado de choque e percebeu que ela fora a causadora daqueles males. Decidiu, então, falar com quem de direito e conseguiu que se cortasse a rede Wi-Fi e o acesso à Internet móvel naquele lugar.
Durante algum tempo, as crianças ficaram muito irritadas e revoltadas. Sentiam-se perdidas, sem rumo. Era como se não soubessem o que fazer…
Na biblioteca local, foram feitas ações de sensibilização. Explicou-se, aos pais, a importância de controlar os tempos de ecrã e, aos mais jovens, como gerir as horas livres. Os adultos foram incentivados a envolver novamente as crianças nas tradições natalícias e, uma a uma, estas foram aderindo. Maria e os irmãos voltaram a fazer broas de mel. Era Natal outra vez. Como antes!
A Internet foi reposta e aqueles habitantes conseguiram demonstrar que eram capazes de conviver com esta de forma moderada, comprovando que souberam dominá-la, não deixando que esta os dominasse.