“Isto não é o Bangladesh”? E se na Venezuela tivessem dito “Isto não é Portugal”?
Há cartazes que dizem mais sobre quem os coloca do que sobre aquilo que pretendem criticar. Quando se vê um cartaz do André Ventura a afirmar “Isto não é o Bangladesh”, não podemos deixar de pensar nos milhares de madeirenses que, ao longo de décadas, deixaram a nossa Região em busca de melhores condições de vida. Se quando chegaram à Venezuela, à África do Sul, a Inglaterra, à Austrália, tivessem sido recebidos com um cartaz a dizer “Isto não é Portugal”, como nos sentiríamos? Como reagiriam os nossos pais e avós, que trabalharam duro, muitas vezes em condições difíceis, apenas por quererem uma vida digna?
Ver um cartaz daqueles é ver a negação daquilo que Portugal sempre foi: um país de gente que partiu, que trabalhou fora, que foi acolhida e que construiu vida e família longe da terra onde nasceu. Portugal foi feito, é feito, de gente que saiu do país. Gente que foi estrangeira noutros países, mas nunca deixou de ser portuguesa. E agora quando outros vêm fugindo da pobreza, da guerra ou apenas em busca de uma oportunidade, não podemos esquecer que já fomos eles. Que somos eles. Portugal é uma nação de emigrantes e, como tal, devia ser o primeiro país a saber acolher quem, como nós, vem em busca de uma vida melhor.
O debate sobre imigração não pode ser reduzido a slogans de medo e exclusão. Tem de ser um debate informado, justo e humano. Vamos à verdade dos números. Os factos são claros: sem imigração, Portugal perderia mais de 4 milhões de habitantes até ao final do século, ficando reduzido a cerca de 5,9 milhões de pessoas em 2100. A Madeira, por sua vez, poderia perder metade da sua população, ou seja, corremos o risco de sermos daqui a 75 anos apenas 123,3 mil madeirenses.
Os imigrantes são hoje parte essencial da economia portuguesa. Mais de 17% dos descontos para a Segurança Social vêm do seu trabalho. Se essas contribuições desaparecessem, cada português teria de pagar mais 10,3% para manter o sistema. Na verdade, se a imigração terminasse, a carga fiscal subiria de 35,2% para 43,1% do PIB, o que significaria mais 1.700 euros por contribuinte por ano.Em setores como a construção civil, o alojamento e a restauração, mais de 30% dos trabalhadores são estrangeiros. São eles que mantêm muitas empresas abertas, que asseguram serviços e produzem riqueza. Riqueza essa que é tributada e redistribuída.
Outro mito que urge desfazer é o de que a imigração gera insegurança. Os dados oficiais da PSP e da GNR mostram que, nos últimos anos, a criminalidade geral em Portugal tem vindo a diminuir, mesmo com o crescimento do número de imigrantes. Entre 2015 e 2024, a criminalidade violenta e grave caiu cerca de 20%, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna. Também em relação à criminalidade juvenil, o relatório da Comissão de Acompanhamento dos Centros Educativos, confirma que não houve aumento do número de jovens estrangeiros internados, apesar de o número total de imigrantes no país ter quadruplicado nos últimos anos.O número de estrangeiros suspeitos ou condenados por crimes representa uma percentagem inferior ao peso que têm na população residente, o que desmente a narrativa de que há uma ligação direta entre imigração e insegurança. Na verdade, as comunidades imigrantes são mais frequentemente vítimas de crime do que autoras, em especial de crimes de exploração laboral, tráfico de pessoas e discriminação racial.Estes números demonstram que o discurso do medo não tem base factual e serve apenas para criar divisões.
Defendo uma imigração regulada e controlada, com regras claras e respeito mútuo. Isso significa proteger quem vem trabalhar honestamente e punir quem se aproveita da vulnerabilidade dos outros. Porque há quem veja nos imigrantes uma forma de trabalho quase escravo. Há redes criminosas que exploram a necessidade e empresários que pagam salários miseráveis, por vezes abaixo do que ganharia um português, impondo jornadas longas e alojando pessoas em condições indignas, que envergonham qualquer sociedade decente.Não é admissível que, em pleno século XXI, ainda existam trabalhadores, sejam de onde forem, a viver sem dignidade, enquanto outros lucram com a sua exploração.
Usar a imigração como bode expiatório é uma forma fácil de esconder os verdadeiros problemas que enfrentamos: a crise na habitação, as dificuldades no acesso à saúde e os baixos salários. É mais cómodo culpar “os outros” do que resolver o que está mal.
Mas Portugal precisa de olhar para o futuro com realismo. Um país envelhecido, que perde população ativa, não tem como sustentar o seu sistema social, nem como garantir o bem-estar das próximas gerações.Sem imigração, não há crescimento. Sem integração, não há coesão. E sem dignidade, não há humanidade.