Manifesto das Ilhas Vivas. [Porque não somos cenário, somos lugar, somos gente]
1. As Ilhas que se Cansaram de Sorrir
Os madeirenses têm o direito de ter o mesmo nível de vida de quem nos visita.
Não é inveja.
Não é capricho.
É justiça.
Quem levantou estas paredes, quem plantou vinhas nas encostas impossíveis, quem construiu estradas com as mãos, quem viu o mar levar filhos e trazer barcos carregados de promessas vazias, tem direito à dignidade.
Mas o que é que nos dão?
Um sorriso obrigatório.
Um salário mínimo.
Um aperto de mão falso.
E a ordem de “servir com orgulho”, como se fôssemos criados eternos de uma festa para a qual não fomos convidados.
“Eu sorrio porque tenho de sorrir. Sorrio ao turista, sorrio ao patrão, sorrio à vida como se ela não me cuspisse na cara todos os meses quando vejo as contas. Sorrir dá-me azia. Mas é o que resta.”
Não é normal que um turista gaste em quatro dias o que um madeirense leva um mês inteiro a ganhar.
Não é normal, mas chamam-lhe “progresso”.
2. O Teatro do Turismo
O turismo não é um Deus.
Não é um milagre.
Não é a tábua de salvação que nos vendem em cada discurso político.
É apenas um sector.
Um negócio.
E, como qualquer negócio, ou serve quem nele trabalha, ou serve apenas os donos do circo.
O que temos hoje é um circo dourado: os hotéis brilham, as ruas cheias de esplanadas, lojas a venderem souvenirs que não significam nada.
E o madeirense, onde está?
Atrás do balcão.
A erguer bandejas.
A varrer os restos depois da festa.
“Arrumo camas que custam mais por noite do que o meu ordenado inteiro. Ao fim do mês, fico com menos de mil euros e um cansaço que não me deixa dormir. E ainda dizem que tenho sorte por ter emprego.”
O turismo dá emprego, sim.
Emprego de horário dividido.
Emprego que não liberta, que amarra.
Emprego que mantém as pessoas à beira da pobreza enquanto engorda meia dúzia de fortunas.
3. O Cosmopolitismo de Vitrine
A Madeira é cosmopolita, dizem.
Uma palavra bonita, cheia de promessas, como um perfume caro que não dura.
Recebemos gente de todo o mundo.
Misturam-se línguas, cores, pratos, cheiros.
E nós, sorrimos outra vez, felizes por “sermos cosmopolitas”.
Mas não basta ser palco.
Não basta receber o mundo.
Precisamos de ir ao mundo.
Precisamos que os madeirenses sejam eles próprios cosmopolitas, gente que tem ordenados para viajar, que se adapta, que fala outras línguas sem se encolher, que pisa aeroportos sem medo, que se senta à mesa com estrangeiros e sente que pertence.
“Quero ir a Berlim, quero estudar em Paris, quero conhecer Tóquio. Mas a minha mãe diz: ‘filho, como? Se mal chega para a renda?’ E eu sonho. Sonho com cidades que vejo na internet.”
O cosmopolitismo que temos é de segunda mão.
É uma vitrina bonita para os outros olharem.
Enquanto isso, ficamos presos à ilha como se ela fosse o limite do mundo.
4. Dignidade, Não Luxo
Não pedimos iates.
Não pedimos champanhe.
Não pedimos hotéis de cinco estrelas.
Pedimos apenas: salários que não sejam esmolas, casas que não custem como palácios, escolas que ensinem a pensar, não apenas a decorar, hospitais que tratem, em vez de remendar.
“Se ele adoecer, tenho de rezar para o hospital não estar cheio. Para o médico não estar cansado. Para não faltar uma máquina qualquer. E ainda dizem que isto é um paraíso.”
Dignidade.
É só isso.
Não é pedir muito.
É pedir o mínimo.
5. O Engano do Progresso
Crescimento do PIB?
Recordes de turistas?
Gráficos coloridos em discursos de plástico?
São palavras vazias.
Este PIB que aumenta não põe comida na mesa.
Os “recordes” não pagam a renda.
E as “estratégias” não compram tempo para ver os filhos crescerem.
“Eles falam na televisão como se tudo estivesse bem. Mas no fim do mês, quando abro a carteira, só vejo vento.”
6. Quebrar os Grilhões
Chega de compadrios.
Chega de monopólios.
Chega de sermos reféns de meia dúzia de grupos económicos e de um Estado central que nos olha como uma colónia exótica a que não sabe muito bem o que fazer.
Somos mais do que um postal.
Mais do que uma vitrina para fotografias de catálogo.
Mais do que “um destino turístico de sucesso”.
Somos terra.
Somos gente.
Somos história.
7. As Ilhas Falam
Estas ilhas que viram navios de açúcar, de vinho, de bananas, que viram os ingleses com as luvas brancas e os copos de cristal, que viram a pobreza escondida atrás dos sorrisos, que viram o povo a servir sempre, sempre, sempre. As ilhas, têm de dizer agora: basta.
Basta de ser cenário para a felicidade alheia.
Basta de sorrir como quem pede desculpa por existir.
Basta de viver para agradar ao olhar dos outros.
Este povo tem direito a viver com a mesma leveza como aqueles que nos visitam.
Não pedimos luxo.
Pedimos justiça.
Pedimos que quem trabalha possa viver, e não apenas sobreviver.
8. O Grito Final
Não seremos servos para sempre.
Se não for agora, quando?
Se não for por nós, por quem será?
Esta terra não é museu.
Não é postal.
Não é vitrina.
É carne.
É sangue.
É memória.
Estamos aqui e respiramos.
E se ninguém tiver coragem de dizer isto, que o diga a ilha, cansada de esperar, pronta para gritar.
9. A Reconquista do Futuro
Não basta gritar. É preciso construir.
O futuro não se mendiga, conquista-se.
O futuro começa quando o povo toma nas mãos o seu próprio destino: decide onde quer investir, o que quer preservar, quanto quer crescer e quanto quer parar.
Quando deixamos de aceitar que os outros nos digam o que é “viável”, o que é “sustentável”, o que é “possível”.
“Disseram-me que não valia a pena sonhar. Que isto era pequeno demais, pobre demais, distante demais. Mas um dia percebi: o que é pequeno é o medo deles.”
O futuro das ilhas constrói-se com a coragem de quem não quer ser servo nem vitrine.
10. O Juramento das Ilhas Vivas
Juramos, diante do mar, do vento, das serras, que não voltaremos a calar-nos.
Juramos que cada sorriso será livre, e não imposto.
Que cada casa será abrigo, e não dívida.
Que cada criança aprenderá a pensar, e não a repetir.
Juramos que não venderemos a alma em troca de promessas, nem deixaremos que nos comprem com festas, subsídios e discursos.
“Sou filho desta terra, e esta terra não está à venda.”
Juramos que a dignidade será o novo nome do progresso.
E que o futuro das ilhas não caberá em folhetos turísticos nem em slogans de campanha.
Será feito por quem aqui vive, trabalha, sofre e ama.
E quando nos chamarem sonhadores, sorriremos, sim, mas será o primeiro sorriso verdadeiro em muitos séculos.
Porque dessa vez, o sorriso será nosso.